O massacre de Eldorado dos Carajás foi uma ação das forças do Estado, que realizou uma operação policial para desobstruir uma via fechada em protestos pela reforma agrária, levando a morte de 21 trabalhadores, no dia 17 de abril de 1996. Essa ação, todavia, somente foi possível pela participação de uma empresa, a mineradora Vale. Segundo os autos do processo que analisou o crime, os policiais militares conseguiram chegar ao local do ato por meio de ônibus alugados pela empresa, na época uma estatal. Os 155 militares estavam em Paraupebas e Marabá, sendo levados até Carajás em ônibus da empresa Transbrasiliana, paga pela Vale em dinheiro. Nos 20 anos dessa chacina, é essencial lembrar a atuação e a responsabilidade da mineradora.
De acordo como Eric Nepomuceno, autor do livro “O Massacre: Eldorado dos Carajás: Uma história de impunidade” (Ed. Planeta), a participação da Vale no massacre não foi investigada, apesar de diversas evidências que ligavam à companhia ao crime. “O gerente da Transbrasiliana que recebeu a ordem – e o dinheiro – se chama Gumercindo de Castro. O funcionário da Vale que contratou os serviços se chama James. Como explicar que uma empresa estatal contrate uma empresa particular para transportar tropas da PM que iriam desfazer uma manifestação pública?”, disse Eric em artigo publicado no jornal Estado de São Paulo.
O interesse da Vale em acabar com a manifestação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) era puramente financeiro, pois a via fechada pelas 2.500 mulheres, homens, crianças e idosos, era usada pelos caminhões da empresa. Além dos 21 mortos (sendo 19 no momento da ação policial e dois posteriormente por causa dos ferimentos), cerca de 70 sem-terra ficaram feridos, alguns com sequelas permanentes. Não por acaso, anualmente, quando realiza atos e homenagens aos trabalhadores mortos, dentro do chamado “Abril Vermelho”, o MST faz questão de lembrar da participação da companhia no crime
Na mesma região do massacre, a mineradora tem até hoje seu principal empreendimento, a Mina de Ferro Carajás, a maior do mundo em funcionamento. E as mortes ligadas a essa exploração não começaram e nem terminaram após o massacre. Há, por exemplo, os mortos pelos trens da Vale, que saem da mina em direção ao porto de São Luís (MA), passando por diversas cidades e comunidades tradicionais, deixando para trás um rastro de destruição. A responsabilização criminal de empresas no país é de fato raríssima. Outro exemplo claro disso é o maior desastre ambiental da história do país, o rompimento da barrragem de rejeitos da Samarco, em Mariana (MG), que matou 19 pessoas. Por trás dele, novamente surge o nome da Vale, dona da Samarco junto com a anglo-australiana BHP Billiton.
Para a coordenadora da Justiça Global Melisanda Trentin, a impunidade acaba sendo uma marca quando se trata em responsabilização de empresas. “Quando se observa empresas como a Vale, que tem um histórico de violência e desrespeito aos direitos humanos, fica clara a dificuldade de conseguir não só a reparação, mas também garantias de que outras ações do tipo não vão ocorrer. Depois do massacre em 1996, foram uma série de ações criminosas da empresa, como a espionagem ilegal de organizações e movimentos, como o próprio MST, e mais recentemente o desastre de Mariana. Por isso é essencial relembrar o que ocorreu há 20 anos e lutar para que isso pare de se repetir”, afirmou Melisanda.