– Pelo menos oito foram mortos no país, número superior aos levantados em países como México e Colômbia
– Relatora de Direitos Indígenas da ONU recebeu informações em audiência nesta terça-feira, dia 8
Os dois primeiros meses de 2016 foram de graves notícias para os defensores de direitos humanos no Brasil. Historicamente um dos mais violentos para mulheres e homens que lutam nessa frente, o país tem o triste número de oito defensores assassinados e um alto número de ameaças e ataques a organizações e movimentos da sociedade civil. De acordo com levantamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os números colocam o país a frente de Colômbia e México. A situação é ainda mais grave se analisada dentro de um quadro de retrocessos iniciado no segundo semestre de 2015, quando houve uma reforma ministerial que uniu secretarias que tinham status de ministérios e fragilizou as políticas de direitos humanos, com o consequente enfraquecimento do Programa Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). Essa situação levou a Justiça Global, a Terra de Direitos, o Conselho Indigenista Missionário, a Comissão Pastoral da Terra, a Artigo 19 e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos a enviar um informe para a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Os crimes se concentram nos estados do Norte e do Nordeste, dentro do contexto de luta pelo direito a terra e território. São casos como o da dona Nilce de Souza Magalhães, de 58 anos, mais conhecida como ‘Nicinha’, pescadora, liderança e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que vinha denunciando os impactos causados pela Usina Hidrelétrica de Jirau, desaparecida no dia 7 de janeiro. Mais tarde, acusados pelo crime relatariam ter executado a defensora e jogado o corpo em um rio na região. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, no ano de 2015 foram 50 mortes, 144 pessoas ameaçadas e 59 tentativas de homicídio em conflitos por terra no Brasil. Os Estados de Rondônia, Pará e Maranhão concentram 90% desses casos. De 2010 a 2015 ocorreram 219 mortes e 300 tentativas de homicídio em razão de conflito agrário no país. No informe há também informações sobre outros grupos vulneráveis, como indígenas e jornalistas, cujas mortes têm crescido. Somente no ano passado, seis jornalistas foram assassinados no país,o que coloca o Brasil como o terceiro país mais perigoso para esses profissionais, atrás apenas da Síria (com 13 mortes) e da França (que registrou 09 casos devido ao atentado ao Charlie Hebdo).
Para a pesquisadora da Justiça Global Alice De Marchi, a política de proteção aos defensores de direitos humanos no país tem sido esvaziada com decisões como a união de três ministérios, o de Mulheres, o de Igualdade Racial e o de Direitos Humanos em uma única pasta. “Isso fragiliza ainda mais o PPDDH, que muito pouco tem dialogado com a sociedade civil, alocado numa secretaria que perdeu recentemente o status de ministério. Também se insere num contexto em que o agronegócio, a indústria extrativa e os megaprojetos de infraestrutura são favorecidos pelas políticas públicas, e nem a demarcação de terras de povos originários e tradicionais, nem a reforma agrária são efetivados”, afirmou a pesquisadora da Justiça Global, que assim como as demais organizações integra o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.
O documento também destaca que órgãos públicos responsáveis pela regularização fundiária como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) vêm sofrendo um processo de desmantelamento, com cada vez menos recursos. O quadro se completa com a impunidade dos criminosos, uma vez que menos de 6% dos casos de assassinatos de defensores são investigados no Brasil. Dessa forma, o informe ressalta que “as informações aqui apresentadas são extremamente preocupantes e incompatíveis com um país que se legitima internacionalmente sobre uma política de proteção. É necessário e urgente que o Estado brasileiro avance na efetivação de tal política, fundamental para que seu compromisso com a garantia dos direitos humanos seja cumprido, bem como para todo o campo dos direitos humanos”.
Justiça Global se encontra com relatora especial sobre direitos dos povos indígenas
Em audiência nesta terça-feira (08), na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a Justiça Global denunciou a morte dos defensores e defensoras indígenas, e entregou à Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU sobre direitos dos povos indígenas, um documento sobre a situação crítica dos indígenas no país, onde foram destacados casos como o de Belo Monte, na qual milhares de indígenas tiveram que abandonar suas terras, e a do povo guarani kaiowá, que luta pela regulamentação de suas áreas no Mato Grosso do Sul, enfrentando violenta resistência do agronegócio. A relatora também recebeu o relatório “Vale de Lama – Relatório de inspeção em Mariana após o rompimento da barragem de rejeitos do Fundão” e o informe sobre acordo firmado entre as mineradoras Samarco, Vale e BHP e o poder público. O desastre da barragem de Mariana afetou diretamente a vida dos Krenaks, povo que vive das águas do Rio Doce, que está completamente contaminado pelo rejeitos da barragem rompida da Samarco (Vale/BHP).
Para a coordenadora da Justiça Global Sandra Carvalho, também é importante deixar claro para a relatora como o enfraquecimento do PPDDH afeta a luta dos povos indígenas. “A falta de acompanhamento e proteção desses defensores, que normalmente estão em áreas afastadas dos centros urbanos, faz com que o número de vítimas seja muito alto. Nós já tivemos muitas mortes em 2015 e, da forma como está indo, 2016 pode terminar com uma situação ainda pior”.