A morte de trabalhadores rurais, por si só, é um ato de violência que atinge não apenas as vítimas diretas, mas também familiares, amigos, companheiros de luta, defensoras e defensores de direitos humanos. A situação, porém, consegue se agravar na região da Amazônia legal, local que possui enormes índices de violência e criminalização, inclusiva diversas situações de chacinas e prisões em massa nos últimos meses. Como se não fosse suficiente o assassinato, os ataques continuam para deslegitimar aqueles que padecem e também todos os que seguem vivos no sonho pela reforma agrária. Foi exatamente o que ocorreu no caso dos 10 trabalhadores rurais mortos no Massacre de Pau D’Arco, em 24 de maio deste ano – entre os 10 a presidente da associação dos trabalhadores, única alvejada com tiro na cabeça. Executados por policiais civis e militares, eles ainda tiveram a condenação pública por parte da imprensa. Mesmo com evidências claras de que se tratava de um crime de Estado, o Governo do Pará foi publicamente defender seus agentes. Desde o início, a Justiça Global, junto com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Terra de Direitos e o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, cobraram uma investigação isenta, assim como criticaram duramente a criminalização. Ontem, o que já estava evidente foi sacramentado, com a apresentação do laudo da Polícia Federal que não deixa dúvidas, foi um crime de Estado.
A constatação do óbvio três meses depois do massacre, infelizmente, ainda não significou uma mudança efetiva para garantir a proteção e o direitos das pessoas que vivem e lutam pelo direito à terra. Neste cenário, destaca-se que o Pará, que segue sendo um dos estados campeões de mortes por conflitos por terra. No caso de Pau D’Arco, pouco mais de um mês depois da chacina, outro trabalhador rural, Rosenildo Pereira, foi executado por pistoleiros. Ele também era uma das lideranças do acampamento da Fazenda Santa Lúcia, palco das mortes. Junto com outros companheiros, ele seguia acampado ao lado da fazenda, pressionando e esperando que a terra fosse usada para o assentamento das famílias. Com as ameaças se intensificando no local, ele decidiu ir para a cidade de Rio Maria, onde tinha família, na expectativa de estar mais protegido. Nisso, todavia, foi executado por dois homens em uma moto. Esse crime, até agora, não foi esclarecido, assim como ainda não foram tomadas medidas para garantir a vida das outras pessoas que seguem ameaçadas na região.
Para completar o cenário de alta insegurança, o judiciário no estado do Pará não vem garantindo o cumprimento das investigações de forma satisfatória e comprometida com a justiça. O juiz substituto Jun Kubota soltou 13 policiais envolvidos no caso, no dia 8 de agosto. Eles estavam presos temporariamente a pedido do Ministério Público, sob a justificativa de estarem ameaçando testemunhas e interferindo diretamente nas investigações. Kubota, contrariando a decisão do juiz titular, determinou a soltura dos agentes, o que obrigou a PF e o MP a acelerarem a investigação, como forma de evitar um risco ainda maior para testemunhas e a apuração do caso.
A apresentação do laudo da PF, que determina que os tiros que executaram os trabalhadores foram dados por seis policiais, não esgota as investigações. É essencial que a responsabilidade de todos aqueles que estavam no dia seja apurada. Mais que isso, já há fortes indícios da participação de latifundiários e também de altos escalões da segurança pública do Estado do Pará não apenas nesse massacre, mas em diversas mortes no Sul e no Sudeste do Pará. As investigações devem continuar até que as pessoas sejam responsabilizadas. Isso é importante não apenas para a memória daqueles que morreram, mas para fazer justiça diante do poder de fazendeiros, latifundiários e milícias que, atreladas a interesses econômicos do agronegócio, expropriam trabalhadores e trabalhadoras rurais de suas terras e promovem a barbárie contra os povos do campo.