Sobre a homenagem

É graças à determinação e à luta de pessoas e coletivos engajados em proteger e realizar os direitos humanos e as liberdades fundamentais que podemos avançar na promoção de ampla dignidade a todas e todos e no fortalecimento da democracia, do Estado de Direito, do sistema de justiça, da promoção da diversidade e do combate à pobreza e, enfim, da cultura de direitos. Esse papel foi reconhecido por todos os Estados membros das Nações Unidas, inclusive o Brasil, como direito legítimo em 1988 ao adotar por consenso a Declaração da ONU sobre Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.

Mas o histórico de violações e ameaças nos territórios brasileiros mostram o tamanho do desafio no país. As violações de direitos humanos tomam diferentes contornos conforme a luta empreendida pelas mulheres defensoras. Nota-se o recrudescimento no grau de violação ao considerarmos as categorias gênero, raça, classe e o grau de instrução das mulheres na luta. Violências que se revelam por meio de ataques morais e físicos, racismo, silenciamentos, violência sexual, deslegitimação de seu papel político, inferiorização, não reconhecimento de direitos, como os sexuais e reprodutivos, identidade de gênero e orientação sexual, entre outroas. Situações essas que levam com frequência ao adoecimento físico e psíquico.

É fundamental construir iniciativas que fortaleçam a luta das defensoras. Assim, desde 2014, a Justiça Global tem a honra de homenagear, a cada ano, mulheres que estão na linha de frente pelos direitos humanos no Brasil. Com fôlego e urgência em celebrar a vida.

Edição de 2022

Depois de um hiato de mais de dois anos por conta da pandemia de Covid-19, homenagear essas mulheres de luta e resistência e referências para todas e todos nós é lembrar das suas lutas históricas, mas também de seus movimentos de resistência durante esse triste período.

É um ato de reconhecimento pelas suas históricas lutas coletivas em defesa dos direitos humanos, além de um agradecimento público por suas importantes lutas neste período de pandemia, pois estes movimentos com muita dificuldade fizeram o que o governo não fez.


Com muita admiração e respeito, nós, da Justiça Global, esperamos a sua presença para fazer deste encontro ainda mais potente e especial, em defesa intransigente dos direitos humanos e das mulheres que constroem a cada dia essa trajetória de luta e resistência!




22SET — 18H Cais da Imperatriz, Rio de Janeiro - RJ



ENTRADA GRATUITA

Conheça as homenageadas desta edição

Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Alessandra Munduruku

Liderança do povo Munduruku e integrante do movimento de mulheres indígenas - PA

Mulher guerreira, do movimento de mulheres indígenas, Alessandra Korap, do povo Munduruku, se destaca pela bravura com que defende seu território e seu povo. Iniciou sua militância no ano de 2014, quando passou a acompanhar os caciques de sua aldeia em atividades e conferências para denunciar a invasão dos territórios indígenas por madeireiros e garimpeiros e exigindo a demarcação de terras. Desde então não parou mais.

Moradora da aldeia Praia do Índio, em Itaituba, no sudoeste do estado do Pará, a luta de Alessandra pela garantia dos direitos dos povos indígenas é gigante. O povo Munduruku, ao qual ela pertence, é um dos muitos que têm resistido contra a destruição de seus territórios. O movimento de mulheres luta pela demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, no rio Tapajós, no sudoeste do Pará, contra a instalação de hidrelétricas, especialmente a de Belo Monte, a exploração de ouro pela empresa canadente Belo Sun e de outros grandes projetos que atropelam suas vidas e seus futuros.

Em 2019, Korap deixou a aldeia de origem para morar no município de Santarém e cursar a faculdade de Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará. Na época, Alessandra perguntou ao cacique se poderia falar sobre o território e os empreendimentos ou se deveria parar e só voltar a falar sobre isso quando voltasse para a aldeia. Como resposta, o Cacique disse que ela não podia parar de falar sobre a luta do seu povo e do que está acontecendo.

Para Alessandra, essa resposta foi decisiva para sua atuação e lhe deu segurança sobre como agir, já que respeita muito as decisões tomadas nos territórios. Além disso, ela ressalta que a autonomia que ela tem em falar é dada por eles. Korap tem se tornado cada vez mais uma porta voz do seu povo fora do seu território.

A liderança diz que as dificuldades que têm em ocupar os espaços políticos como mulher são muitas. Começa desde o momento em que ela sai da aldeia, deixando sua casa e os filhos, para falar em outros lugares e até em outros países, às vezes, sem deixar nada em casa porque, em sua cultura, é a mulher que pesca, e vai para a roça,s filhos para ir falar sobre território, sobre os empreendimentos, falar delas e das suas lutas.

Se no início, ela enfrentou deslegitimação como liderança por ser mulher, hoje Alessandra é muito respeitada por ter tomado a decisão de lutar. O diálogo com o seu povo é uma das coisas que mais preza na sua militância. Ela entende que precisa em constante troca pedindo opinião e tirando dúvidas, o que demonstra que suas decisões nunca são unilaterais. Ao contrário, sempre constrói seus posicionamentos em conjunto com seu povo.

Na avaliação da liderança Munduruku, um dos seus maiores desafios é a luta contra os grandes empreendimentos.. Sua atuação sempre foi pela proteção do território através da demarcação da terra. Diante da recusa do governo em proteger e garantir os direitos dos povos originários, Alessandra defende que os próprios indígenas façam sua defesa, para lhes garantir a vida, incentivando os jovens a trabalhar com audiovisual, manusear GPS e buscar autonomia para sempre decidir o que seu povo quer. O avanço do garimpo ilegal, endossado pela falta de fiscalização, tem colocado em risco a vida de seu povo e dos demais que vivem em torno do Rio Negro. Somente entre 2019 e 2020, as balsas foram responsáveis pelo despejo de mais de cem toneladas de mercúrio nas águas amazônicas, contaminando todo o ecossistema local, inclusive os peixes usados para alimentação.

A luta do povo Munduruku não está isolada e está em contato com outros povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e até mesmo a população das cidades, que são ou serão atingidos pelo avanço do agronegócio, pelas obras das usinas hidrelétricas e por outros projetos de grande impacto.

Guacira Oliveira

Fundadora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) - DF

Guacira Oliveira começou sua militância no final da década de 1970, no movimento estudantil, durante a reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE) após ter sido fechada pela ditadura civil-militar. Mergulhou no feminismo nos anos de 1980, integrando o Fórum de Mulheres do Distrito Federal e entrando de sola na mobilização para eleger os/as parlamentares da Assembleia Nacional Constituinte.

Em 1987, ingressou no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e, em 1989, ao lado de Iáris Ramalho Cortês, Gilda Cabral, Malô Ligocki e Marlene Libardoni, fundou o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), onde atua até hoje.

Na visão de Guacira, o maior desafio da pauta feminista hoje é: "enfrentar a contraofensiva neopatriarcal, racista, conservadora, antidireitos, fundamentalista, ultraliberal, LGBTI-fóbica, que ameaça as conquistas que nós, mulheres, na nossa diversidade, obtivemos com muitas lutas nas últimas décadas". Ressalta ainda que muitos dos direitos conquistados ainda nem haviam saído do papel para se tornar realidade na vida cotidiana das mulheres, tais como: "direito à terra e à titularidade das mulheres na reforma agrária; à moradia e titularidade das mulheres da propriedade da residência; ao salário igual para trabalho igual; à proteção do Estado contra a violência doméstica e familiar; à proteção do Estado contra todas as formas de discriminação; direito de decidir sobre ter ou não ter filhos e quando tê-los; reprodutivos e direitos sexuais; à saúde integral; à creche, pré-escola e escola para filhas e filhos".

Lutar pelos direitos humanos sendo mulher implica lutar pela visibilidade, reconhecimento, respeito às mulheres e às lutas. Para ela, é preciso estar sempre atenta para ver se a luta está levando em conta os obstáculos que as mulheres têm que vencer para ter os direitos garantidos, "se nossos corpos (cis e trans), esse primeiro território que cada mulher sempre tem de defender da violência, estão sendo vistos em nossas dores, se estão reconhecidos em suas muitas e diversas potências", contou.

Segundo Guacira é, também, verificar se a participação das mulheres está assegurada, se há espaço para que suas vozes sejam escutadas e amplificadas. Mais que isso, ser mulher e defender direitos humanos é verificar se as desigualdades entre as próprias mulheres (decorrentes do racismo, etnocentrismo, da heteronormatividade compulsória, do capacitismo, da pobreza entre outras formas de exclusão) estão sendo enfrentadas na organização da luta, bem como se há espaço para o autocuidado e o cuidado, se há maternagem coletiva e solidária para não excluir a participação das mães, se estamos bem representadas em nossa diversidade, combatendo todas as formas de desigualdade.

Foto: Divulgação/CFEMEA

Foto: Divulgação

Keila Simpson

Presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e coordenadora do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT da Bahia - BA

Keila Simpson – presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e coordenadora do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT da Bahia – é uma das mulheres que inspiram a seguir na luta em defesa dos povos e dos direitos humanos.

Começou a lutar pela vida quando foi indicada pelo professor Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia (GGB), para ser referência voluntária na distribuição de preservativos a travestis que, como ela, se prostituíam em uma rua no centro de Salvador, “Comecei a pegar camisinhas e distribuir para as Travestis na casa onde morava”, disse.

Para Keila, as mulheres sempre estiveram à frente nessas lutas e cada vez mais com protagonismos diversos. Ela conta que começou a defender os direitos humanos da população travesti e transexual por entender a exclusão sofrida pelas mulheres e sobretudo pelas mulheres que ela representava. Ao se deparar com a situação em que essas mulheres passavam, muitas vezes provocadas por outras mulheres, teve a certeza de que era preciso ter mais argumentos lógicos para defender as mulheres transexuais e travestis. O maior desafio na sua pauta é fazer com que as pessoas percebam as mulheres trans e as travestis para além do genital, tirandoesse estigma erótico sexual que circundam as vidas dessas pessoas.

Lutar pelos direitos humanos sendo mulher é ter a certeza de que essa é uma luta coletiva de muitas forças e de muitas cabeças e que ela deve estar cada vez mais contida nessa ideia coletiva de que não precisamos violentar ninguém, nem violar o direito de ninguém, que todas as pessoas têm direitos, que esses direitos precisam estar assegurados em sua totalidade e não com meios termos, para que cada pessoa de fato, possa se assegurar da importância que é ter a sua dignidade respeitada e garantida.

Keila entende que as violações de direitos humanos atingem as mulheres de formas diferenciadas em níveis e em situações. Por exemplo, uma mulher trans que tem um status social mais alto sofre uma violação diferente de uma mulher trans que está na favela.Essas diferentes vulnerabilidades a obrigam a buscar entender e a lidar de forma diferente diante de cada situação e com os diferentes segmentos da população trans e travestis. Ela destaca as mulheres trans e travestis mais pobres, negras, que não têm acesso aos serviços básicos e que tem como mecanismo de renda apenas a prostituição são mais vulneráveis à violência e precisam de uma atenção especial na defesa de seus direitos. Entender essas diferenças é essencial para que os direitos humanos das sujeitas diversas sejam garantidos.

Aos 54 anos, Keila afirma que o momento atual, marcado por um enorme retrocesso no campo dos direitos, além do avanço do conservadorismo e da violência, nos impõe, mais do que nunca, à defesa intransigente dos direitos humanos: “Para que o futuro possa aparecer promissor e que a gente consiga, de fato, colocar o Brasil no rumo que a gente deseja e necessita, é preciso que essa luta esteja presente nas nossas vidas todos os dias, independentemente de quem está buscando e lutando. Todas as pessoas e movimentos que estejam no campo da luta pela efetivação dos direitos precisam estar unidos e coesos para que a gente possa ver perspectiva de futuro. Só essa união, só essa unidade nos fortalece na defesa dos direitos humanos”, afirma a defensora de direitos humanos.

Maria de Loudes do Carmo (Maria dos Camelôs)

Co-fundadora do Movimento Unidos pelos Camelôs (MUCA) - RJ

Maria de Lourdes do Carmo, de 48 anos, camelô, mais conhecida como Maria dos Camelôs, é uma das principais referências na luta contra a militarização no Rio de Janeiro. Junto com outros ambulantes, ela criou, em 2003, o Movimento Unidos pelos Camelôs (MUCA), o qual lidera até hoje.

A história de Maria se mistura à luta contra o armamento da Guarda Municipal. Infelizmente, ainda no resguardo de uma gravidez, ela foi agredida por um guarda, chegando a ficar hospitalizada por alguns dias. Restabelecida, a resposta a esta e a tantas outras agressões foi a organização dos trabalhadores.

Para além da luta anti-militarista, ela também fez parte de movimentos pela moradia, em defesa da saúde pública e tantos outros direitos sociais. Maria é mãe de quatro filhos e diz gostar muito da vida em família. "Gosto de estar em casa, mas nós mulheres lutamos muito para ter o direito de viver e poder ver nossos filhos com moradia digna. Inclusive, já participei de ocupações e morei na Ocupação Chiquinha Gonzaga, na Central do Brasil. Também atuo na luta pela saúde e educação pública de qualidade e, também, gosto da cooperação na organização das lutas populares", contou..

Para a liderança, ser mulher e fazer a defesa dos nossos direitos é muito difícil, mas esse desafio a move: "Não consigo ver tanta injustiça e desigualdade e ficar quieta e calada. Acredito que nós, mulheres pretas, da periferia, da favela, precisamos mover as estruturas para derrubar a opressão", declarou.

Durante 2020, o pior ano da pandemia da Covid-19, Maria e os integrantes do MUCA não pararam, pois sabiam que seriam parte daqueles mais prejudicados pelo coronavírus, por não conseguirem vender seus produtos nas ruas. Naquele período, o MUCA se organizou e tentou atender o máximo de familiares de ambulantes do movimento com cestas básicas, cartões de alimentação, máscaras, álcool e tantas outras necessidades que surgiram nesse contexto.

Passados quase três anos desde que o vírus se espalhou pelo mundo, ainda não nos recuperamos e presenciamos mais de 33 milhões de pessoas com fome em todo o país. diante disso, o MUCA organizou a Cozinha Solidária da Lapa junto ao Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e, também participou da fundação do Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos, que reúne organizações de pessoas que fazem trabalhos informais.

Foto: Reprodução/Facebook

Foto: Divulgação/AEDASMG

Maria Emília da Silva

Co-fundadora do Instituto DH – Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania - MG

Na sociedade, a intolerância dificulta o avanço na luta por libertação das mulheres e dos grupos mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, o crescimento de reações machistas, racistas, homofóbicas que influem diretamente no trabalho de fortalecimento das defensoras e defensores de Direitos Humanos, que reagem manifestamente se colocando como sujeitos dispostos a novas práticas na luta por direitos.

Para Maria Emília da Silva, que desde 2010 coordena o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais, “a luta por direitos humanos é sempre eivada da dimensão de resistência, pois o nome em si já se apresenta como uma forma de se impor pela recuperação de direitos. Dessa forma, a luta tem a representação de uma resistência pacífica pelo fato de vir carregada por tantas outras mulheres que visível ou invisivelmente fazem a história de luta no Brasil, América Latina e no mundo”.

A defensora aponta como o início de sua militância já na primeira infância, a partir da atuação de seus pais na congregação católica que participavam. Seu pai foi sindicalista e também que tinha uma atuação política na Sociedade São Vicente de Paula. Segundo Maria Emília, esta ação se mostrava relevante num mundo marcado pela “globalização da indiferença”, onde muitos sofriam e sofrem até hoje.

Na juventude, ingressou em uma congregação religiosa missionária que tinha como missão “ir em busca dos mais necessitados, especialmente os operários, mulheres, negros e indígenas, nos lugares mais difíceis”. Nesse mesmo período, formou-se em direito com o objetivo de atuar na causa dos trabalhadores. O fato de pertencer durante vinte anos a esse espaço religioso missionário abriu as janelas para o mundo desenvolvendo trabalhos em países como Bolívia e Angola, dentre outros.

Ao retornar ao Brasil, em 1993, integrou equipes de trabalho na Pastoral Carcerária e na Comissão Pastoral da Terra. Em 1999, assumiu atividades como Coordenadora Municipal de Direitos Humanos em Belo Horizonte e, em 2003, ao se desligar da congregação religiosa, integrou o sistema de proteção iniciando em Minas Gerais o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. Desde essa época continua trabalhando no Sistema de Proteção, tendo sido colaboradora da Equipe Técnica do PROVITA.

No ano de 2007, Maria Emilia e outras lideranças de Direitos Humanos fundaram o Instituto DH – Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania, ao qual permanece ligada como associada até a presente data. “Desde sempre e fiel às minhas origens de família e militância, tenho procurado focar minha vida de luta em favor dos excluídos e menos favorecidos”.

Mônica Cunha

Fundadora do Movimento Moleque - RJ

Mônica Cunha, mulher negra, mãe de Rafael da Silva Cunha, é fundadora do Movimento Moleque e foi uma das coordenadoras da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Se tornou defensora de direitos humanos quando seu filho Rafael se tornou autor de ato infracional, como ela mesma conta, e foi encarcerado pela primeira vez, aos 15 anos. Ele voltou algumas vezes em um continuum de criminalização que Mônica identifica ser obra de uma engrenagem movimentada pelo racismo.

Durante o período em que acompanhou o filho encarcerado se perguntava: Por que com ela? Por que seu filho? E, por que nada que fizesse mudava aquela situação? Ela conta ainda que, inicialmente, se sentiu culpada, mas que, depois de alguns anos, percebendo as condições de encarceramento de crianças e adolescentes e a responsabilidade do Estado na manutenção desta lógica, se juntou a outras mães para amplificar sua voz e exigir respeito. Assim nasceu o Movimento Moleque, em 2003.

Em 05 de dezembro de 2006, seu filho Rafael foi assassinado por policiais civis. Mesmo com a perda, arrancado de sua família pela violência do Estado, ela seguiu na luta com as mães do Movimento Moleque, levando pautas que tratam da criminalização e encarceramento de adolescentes, em especial, negros e moradores de favelas. Com o passar do tempo, se juntou a outras mães que tiveram filhos assassinados seguindo na luta por liberdade, memória, verdade e justiça.

Ela lembra os mais de 30 anos da luta do movimento Mães de Acari, pioneiras no movimento de mães, e diz que, apesar dos poucos ou nenhum avanço na luta contra a violência do Estado, é preciso reconhecer as conquistas e as grandes articulações nacionais e internacionais na luta das mães e familiares de pessoas vitimadas pela violência do Estado.

Nossa homenageada destaca que, ao passo que a luta e a resistência avançam, o racismo fica mais evidente. Para Mônica, esse é o grande desafio das defensoras de direitos humanos. “Enquanto o racismo não for vencido, teremos de enfrentar essa engrenagem que criminaliza, encarcera e mata os filhos e adoece as mães, que precisam seguir em luta com o objetivo maior de garantir a vida”, finaliza.

Foto: Reprodução/ALERJ

Foto: Reprodução/ALERJ

Preta Ferreira

Artista e liderança do Movimento Sem Teto do Centro (MTSC) - SP

Cantora, atriz, apresentadora, uma das lideranças do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), na cidade de São Paulo, Preta Ferreira tem uma longa trajetória de defesa pelo direito à moradia, um traço de luta que vem mesmo de família. Sua mãe, Carmem da Silva Ferreira, é uma importante liderança do movimento e esteve à frente de alguns dos processos mais vitoriosos de ocupações na capital paulistana, reconhecidos inclusive na Bienal de Arquitetura de Chicago de 2019. Carmem é mulher negra, nordestina e chegou a São Paulo há quase trinta anos, fugindo da violência doméstica que sofria. Desempregada, esteve em situação de rua, dormiu em albergues, e foi nesta lida que encontrou a militância pelo direito à moradia. Quando pôde se estabelecer, trouxe da Bahia seus oito filhos – entre eles, Preta, a mais velha.

Preta chegou em São Paulo ainda criança e foi morar na ocupação Nove de Julho, onde tornou-se militante. “No movimento de moradia eu aprendi a ter direitos, aprendi que podia estudar e a ter senso de coletividade. Isso me empoderou como mulher e cidadã”, contou.

Formada em publicidade, tornou-se cantora e atriz, participou de diversos videoclipes de artistas, como Criolo e Maria Gadú, e outros ao redor do país. Seu trabalho com cultura é também parte de sua militância no MTSC, para onde procura levar projetos que tragam empregabilidade aos moradores das ocupações.

Mas foi somente em 24 de Junho de 2019 que ela ganhou notoriedade nacional e não foi por uma situação justa. Foi nesta data que dois policiais armados entraram com armas em punho na sua casa, onde estava com dois sobrinhos pequenos. Foi acusada sem provas de ameaçar moradores para o pagamento de uma taxa mensal de uma ocupação que não tinha nenhuma relação com a sua militância ou com o MTSC – o edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou em maio de 2018.

Foram 109 dias de prisão arbitrária e ilegal, o que reflete o processo de grave criminalização dos movimentos de luta por moradia em todo o país. “Me prenderam, humilharam, me separaram da minha família, me acusaram sem provas. Eu saio com a cabeça mais erguida do que quando eu entrei. Lutar vale a pena ainda mais quando você olha para o lado e vê que não está sozinha”, afirmou Preta, emocionada, no momento de sua soltura.

Preta se insurge não apenas contra a criminalização da luta social, mas contra o encarceramento em massa da juventude negra, uma das múltiplas facetas do genocídio em curso: “Não é só a Preta ali, são as pretas. Existem outras mulheres. São milhares”, concluiu.

Sobre a Justiça Global


Fundada em 1999, a Justiça Global é uma organização não governamental de direitos humanos que trabalha com a proteção e promoção dos direitos humanos, o fortalecimento da sociedade civil e da democracia.

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