O número de homicídios cometidos pelo Estado pode aumentar ainda mais na cidade do Rio de Janeiro, caso o Projeto de Emenda à Lei Orgânica 12/2017, que arma a Guarda Municipal, seja aprovado. O texto, que será votado nesta terça-feira (dia 6) na Câmara de Vereadores, inicialmente já apresentava um grande risco ao colocar armas menos letais nas mãos dos agentes públicos. Há um histórico do uso abusivo e também de incapacitações permanentes e mortes causadas por esse tipo de armamento. A proposta, todavia, ganhou contornos ainda mais perigosos com a mobilização do vereador Jones Moura (PSD) para permitir também a posse de armas de fogo. Colocar mais armas em circulação na cidade não apenas cria uma falsa sensação de segurança, como também contribuirá ainda mais para o aumento da letalidade institucional, já gritante quando vemos apenas os números da Polícia Militar.
São 7,5 mil guardas trabalhando atualmente na cidade. A expectativa de que é possível dar uma formação adequada para que eles utilizem armas de fogo é fantasiosa se observarmos as atuações da Polícia Militar, que há séculos passa por formação específica para atuar com segurança pública, mas, ainda assim, apresenta números de assassinatos altíssimos. Esperar que um curso básico de formação dos guardas garanta uma suposta segurança no uso das armas é uma aposta que coloca vidas em jogo. O secretário de Ordem Pública (Seop) e agente da repressão da Ditadura Militar, o coronel Paulo Cesar Amendola, afirmou publicamente que, com um treinamento de 80 horas, já seria possível colocar 2.500 guardas armados nas ruas no primeiro momento. As experiências de guardas armadas pelo país, por outro lado, mostram como essa experiência é trágica. Em São Paulo, por exemplo, o menino Waldik, de apenas 11 anos, foi assassinado pela Guarda Civil Metropolitana, em junho de 2016. O guarda responsável pela morte foi exonerado, mas a política de segurança pública que vitima crianças como Waldik segue em andamento.
O acesso legal das guardas às armas de fogo começou em 2014, quando a presidente Dilma Rousseff assinou a Lei 13.022, até hoje criticada por estar indo contra a Constituição, uma vez que a carta magna não confere aos guardas atribuições de segurança pública, mas sim de cuidar do patrimônio público. A Guarda Municipal do Rio vem sendo desviada de sua função praticamente desde sua implantação, em 1993. A perseguição aos camelôs talvez seja o maior exemplo disso. Esses trabalhadores seguidamente sofrem agressões dos agentes públicos, que muitas vezes confiscam as mercadorias sem o chamado auto de apreensão – o que, na prática, configura o roubo dos produtos que essas pessoas vendem para sobreviver, pois não é possível recuperá-los sem esse auto. Há casos de ambulantes que sofreram danos permanentes por atuação da guarda, ficando cegos e com problemas de locomoção. No entorno do Maracanã, um morreu atropelado ao tentar atravessar a Avenida Radial Oeste com sua mercadoria, para que ela não fosse confiscada pelos guardas que o perseguiam, em outubro de 2014. Apesar das diversas críticas sobre essa atuação, ela continua constante nas ruas do Rio de Janeiro. Com a possibilidade de armar as guardas, seja com as letais ou menos letais, a chance de que essas perseguições acabem com o assassinato de alguém não é desconsiderável.
Atualmente, existe uma liminar da Justiça, obtida pelo Ministério Público Estadual, que proíbe o emprego de armas menos letais pela Guarda Municipal, que chegou a utilizar esse armamento de forma oficial de 2009 a 2013. Mesmo com a proibição, os camelôs relatam que diversas vezes presenciam os guardas usando essas armas na repressão. O que é ilegal pode se tornar o recorrente, se o projeto for aprovado. Ao modificar a Lei Orgânica do município e autorizar o uso desse armamento, os vereadores e o prefeito Marcelo Crivella precisam esta cientes de que estarão colocando em ricos a vida dos cariocas e, mais que isso, também precisarão assumir a responsabilidade por qualquer homicídio que venha a ocorrer.