Manoel Mattos foi assassinado no dia 24 de janeiro de 2009 e ainda hoje, 10 anos depois, sofremos com o mesmo descaso e falta de vontade política do Estado brasileiro e dos Estados Federados em construir e efetivar uma política pública que possibilite o exercício pleno da cidadania por parte daquelas e daqueles que lutam por direitos no Brasil.
A Justiça Global vem desde o seu início postulando e reivindicando a construção dessa política pública e, sobretudo, que para aquelas e aqueles que em virtude de sua ação política se encontra em situação de ameaça, o poder público empreenda todos os esforços necessários para assegurar o direito à vida e à integridade física sem a supressão de qualquer direito da pessoa, grupo ou organização social que defenda os direitos humanos.
Ao longo dos anos, a reivindicação ainda permanece e, em momentos de intensa crise política, como vivemos atualmente, faz-se permanente. Os 10 anos do assassinato de Manoel Mattos e os 10 meses do assassinato de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, destacados defensores de direitos humanos, reascende o debate sobre a situação de quem defende direitos humanos no Brasil, colocando em evidência o descaso dos governos em relação ao tema e sua inteira responsabilidade em relação ao aumento da violência contra essas pessoas.
De modo geral, as organizações da sociedade civil no Brasil têm apontado para dificuldades e desafios em relação às políticas de proteção estaduais e nacional. Recomendações concretas têm sido feitas, mas, infelizmente, tardam a ser adotadas ou mesmo são ignoradas pelo Estado brasileiro e entes federados. Uma das recomendações é a necessidade dos PPDDHs articularem órgãos públicos responsáveis pela garantia de direitos – como aqueles encarregados da demarcação de terras e dos direitos indígenas, por exemplo – e mobilizarem políticas públicas que enfrentem as questões estruturais que levam à vulnerabilidade das defensoras e defensores de direitos humanos e dos movimentos sociais. O não enfrentamento por parte do Estado brasileiro dessas problemáticas perpetua as situações de risco, de ameaça e de ataque a defensoras e defensores de direitos humanos. A não garantia do direito à terra e território e os conflitos agrários daí decorrentes é um dos principais motivos das violações.
Um outro grave problema é a ausência de um marco legal para o programa que até hoje não foi aprovado, apesar de um Projeto de Lei nº 4575/2009 tramitar no Congresso Nacional e ter sido aprovado por quatro comissões, a sua aprovação no plenário nunca aconteceu. Desta forma o PPDDH não existe formal e legalmente como uma política de estado, sustentando-se apenas pelo decreto presidencial nº 6.044, de 12 de fevereiro de 2007, e, mais recentemente, pelo Decreto nº 8724, de 27 de abril de 2016. Esse decreto de 2016 exclui a sociedade civil da coordenação geral e da gestão do programa, acabando assim, com a participação social que foi sempre um dos pilares dessa política pública.
Hoje só estão em funcionamento 4 programas nos estados (CE, MA, PE e MG) além da equipe técnica federal que tem a missão de atender todos os outros estados que não tem programas estaduais. Segundo dados da própria coordenação nacional do PPDDH hoje são atendidas 665 pessoas no programa, entre casos incluídos, em análise e em triagem.
O PPDDH para além dos problemas legais e administrativos, também enfrentam problemas metodológicos na implementação da política, podemos citar: a) o PPDDH segue apenas inserindo indivíduos, esquecendo-se que, de acordo com seu próprio conceito, de que defensoras e defensores de direitos humanos são grupos, movimentos, organizações da sociedade civil. Quando uma liderança está ameaçada por um conflito de terra ou território, toda a comunidade também está; b) Ausência de procedimentos claros e padronizados que avaliem os riscos que as/os DDHs estão enfrentando para que possa acelerar o processo de entrada das/dos DDHs no programa; c) A capacitação da equipe técnica e aperfeiçoamento das estratégias do PPDDH; d) A falta de estratégias de proteção voltadas para grupos específicos, no sentido de levar em conta suas peculiaridades. Não existem medidas voltadas para mulheres, público LGBTT, quilombolas ou indígenas, por exemplo. Assim, há muito a avançar numa perspectiva coletivizada da proteção. Assim, há muito a avançar numa perspectiva coletivizada da proteção. De maneira geral, as medidas adotadas priorizam ações individuais, o que em alguns casos além de não ser suficiente – pois se trata de comunidades ou grupos inteiros ameaçados – também negligencia um olhar politizado para os contextos locais. Neste sentido, é fundamental também que haja um tratamento específico para as mulheres defensoras de direitos humanos, bem como que haja uma extensão da proteção às mulheres que são familiares da liderança ameaçada. Quando se trata de mulheres defensoras de direitos humanos é importante considerar que, muitas vezes, o assassino e ameaçador pode estar dentro de casa. Quando as defensoras se colocam no cenário político, é muito comum que haja o aumento da violência que elas sofrem dentro do próprio ambiente doméstico. Além disso, em se tratando de uma sociedade patriarcal, as defensoras de direitos humanos, em regra, sofrem duplas violências: do ameaçador e da sociedade, quando por exemplo, são julgadas por não estarem cuidando de suas filhas e filhos da forma como a sociedade espera. Esse tipo de violência tem efeitos e impactos diretos no psicológico das defensoras, o que muitas vezes as prejudica em sua luta. Essas especificidades também precisam ser consideradas pelos PPDDHs.
Todas essas dificuldades são agravadas quando tratamos do baixo orçamento que a política de proteção a defensoras e defensores dispõe por parte do Governo Federal que é o principal financiador das políticas nos estados. Mesmo o governo brasileiro tendo, no ano de 2018, aumentado significativamente o orçamento do programa, sendo o maior orçamento desde a sua criação, alcançando quase 12 milhões de reais, não vimos um aumento significativo dos programas sendo executados em novos estados. Segundo o MDH a intenção com essa ampliação de recursos era abrir programas nos estados do Rio de Janeiro, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Bahia, mas ainda não vimos resultado concreto dessa suposta ampliação.
O cenário pode se agravar no atual governo devido aos posicionamentos públicos do presidente e seus ministros contra as pautas de direitos humanos. Existe um temor da sociedade civil que toda a política de proteção construída a duras penas nos últimos anos seja atacada e sofra descontinuidades. As organizações da sociedade civil seguirão mobilizadas para que não soframos ataques e retrocessos nas políticas de direitos humanos no nosso país.