Audiência pública ouve organizações da sociedade civil nesta quinta-feira (1) às 10h. Organizações lançam carta pública ao Congresso pela instalação da Comissão Mista de Orçamento e pela participação da sociedade civil no processo orçamentário.
Justiça Global, Plataforma Dhesca, Oxfam Brasil, Coalizão Negra por Direitos, Repam, Rede Nacional de Pessoas Trans e Artigo 19 participam, nesta quinta-feira (1/7), de audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para denunciar as violações na pandemia da Covid-19. A audiência começa às 10h (UTC -3) e poderá ser acompanhada pelo Facebook (@CIDH.OEA) e Youtube (@ComisionIDH) da CIDH.
O evento ocorre no contexto do 180º período de audiências públicas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), que vem sendo realizado entre 21 de junho e 2 de julho de 2021. A sessão está dividida em três blocos e a delegação brasileira será representada pela Plataforma Dhesca, Oxfam Brasil, Justiça Global, Coalizão Negra por Direitos, Repam, Rede Nacional de Pessoas Trans, Artigo 19.
Estado e negligência à garantia dos direitos humanos
O primeiro bloco será dedicado à análise da garantia dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais à luz das medidas estatais adotadas no contexto da pandemia. Embora o Congresso Nacional tenha flexibilizado algumas regras fiscais em 2020 para despesas relativas à pandemia, a mudança foi insuficiente para garantir condições ao enfrentamento da calamidade pública e à proteção da população. O Brasil tem desde 2016 a mais austera regra fiscal do mundo, o Teto de Gastos (EC95/16). Conforme demonstra estudo entregue pela sociedade civil ao Supremo Tribunal Federal, o Teto de Gastos tem fragilizado profundamente as políticas sociais e ambientais, deixando o Brasil “com baixa imunidade” para enfrentar a pandemia.
“Na contramão de grande parte dos países, o governo brasileiro tomou a decisão de, frente à pandemia, intensificar as políticas de ajuste fiscal: o Congresso Nacional aprovou um orçamento reduzido e uma emenda constitucional que limitou a política de transferência de renda emergencial, aumentando os cortes de recursos das já fragilizadas políticas públicas (EC109/20). As medidas agravaram a situação de calamidade, levando o país a recordes de mortes, desemprego, fome e miséria”, analisa Roseli Faria, integrante da coordenação da Coalizão Direitos Valem Mais.
As políticas de austeridade têm acarretado em uma desproteção da população brasileira. Durante a pandemia, a fome atingiu 9% da população do país (19,1 milhões de pessoas), retrocedendo ao nível de 2004. Um em cada dez lares chefiados por mulheres ou pessoas negras no Brasil enfrentam condições de insegurança alimentar grave. “O auxílio emergencial estabelecido em maio de 2020 levou a miséria ao menor nível da história do Brasil (4,5% em agosto de 2020), porém, ainda assim, não foi renovada logo no início de 2021, fazendo com que a extrema pobreza retornasse ao patamar de 2011 (12,8% em janeiro de 2021). A renovação do auxílio em abril de 2021, com valor médio de apenas 41% do benefício original, deixou de fora cerca de 28 milhões de famílias”, analisa Jefferson Nascimento, coordenador de pesquisa e incidência da Oxfam Brasil.
“O governo federal tem conduzido uma política desastrosa na resposta à pandemia no Brasil, atuando com morosidade na contratação de vacinas contra a Covid-19 – inclusive com indícios de corrupção –, priorizando tratamentos comprovadamente ineficazes, promovendo aglomerações desnecessárias, realizando quantidade insuficiente de testes para verificar a incidência do coronavírus no país e negligenciando a importância de se proteger pessoas em situação de vulnerabilidade e populações que requerem atenção especial, como povos indígenas e comunidades quilombolas”, completa.
Proteger a população é urgente
Como forma de proteger a população na pandemia e no pós-pandemia, a sociedade civil apresentou ao Congresso Nacional uma proposta de um Piso Mínimo Emergencial. O Piso estabelece um patamar mínimo necessário para o funcionamento dos serviços públicos nas áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar, interrompendo a deterioração orçamentária acelerada que essas políticas sofreram, principalmente, a partir de 2016 com a aprovação da Emenda do Teto de Gastos.
“Considerando o efeito desastroso das políticas de austeridade na garantia dos Dhescas, a sociedade civil presente na audiência fará um apelo para que a CIDH recomende ao Supremo Tribunal Federal a realização de um ciclo de audiências públicas sobre os impactos sociais e ambientais do Teto de Gastos e ao Congresso Nacional a revogação da EC95 e a aprovação de um orçamento 2022 que garanta o Piso Mínimo Emergencial”, analisa Denise Carreira, integrante da coordenação da Plataforma Dhesca Brasil, da Coalizão Direitos Valem Mais e da Ação Educativa.
Também como forma de chamar atenção para a calamidade do orçamento federal no que se refere à proteção da população frente à pandemia, a Coalizão lançará nesta quinta-feira uma carta pública às presidências da Câmara de Deputados e do Senado Federal pela instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e pela retomada da participação da sociedade civil no processo orçamentário.
A carta pública expressa a necessidade da urgente instalação da CMO, responsável por examinar o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA) e outras matérias orçamentárias. Uma das funções da Comissão é a realização de audiências públicas. A incidência da Coalizão se dá pela urgência de reverter o cenário de grande retrocesso expresso na aprovação do Orçamento 2021, que teve como base um processo aligeirado e sem participação social.
No documento, as entidades alertam para a urgência de que o “orçamento garanta condições adequadas para o enfrentamento da pandemia e de suas consequências; retome os investimentos nas políticas sociais e ambientais visando a proteção da população e do meio meio ambiente e a implementação progressiva dos direitos constitucionais; e estimule uma economia em profunda crise, com altas taxas de desemprego (cerca de 15 milhões de pessoas)”.
Defensoras e defensores de direitos humanos sob ameaça
Outro aspecto chave da audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos será a análise das ameaças à liberdade de expressão e defesa dos direitos humanos. O bloco contará com a presença da Artigo 19 e da Justiça Global.
A Justiça Global vai denunciar a negligência do Estado brasileiro nas ações de mitigação e enfrentamento à pandemia com os grupos vulnerabilizados. Para a organização, a resposta do Estado brasileiro à atual crise sanitária evidencia violações sistemáticas ao direito à informação e transparência nas ações de enfrentamento à pandemia: o Poder Executivo tem restringido a transparência e o controle social da gestão pública; o discurso do presidente Jair Bolsonaro minimiza a pandemia e seus efeitos; Bolsonaro tem feito passeios de motocicleta com aliados, sem máscara, e já chegou a zombar de mortos por Covid-19.
“Tais medidas denotam total desrespeito aos direitos humanos e ocorrem enquanto mais de 516 mil pessoas foram mortas,” analisa Glaucia Marinho, coordenadora da Justiça Global. A resposta do governo à Covid-19 reflete ainda na morte de defensoras e defensores de direitos humanos, que além de sofrerem ataques diretos de latifundiários, garimpeiros, madeireiros e milicianos, morrem de uma doença esnobada pelo Presidente da República Federativa do Brasil. Só em 2020, 92 defensores foram vítimas da Covid-19, segundo relatório publicado pela Justiça Global, em fevereiro de 2021. Metade das vítimas são defensores indígenas, entre eles, o cacique Paulinho Paiakan, liderança histórica entre os povos da Amazônia.
Sobre as audiências de direitos humanos na CIDH
O propósito das audiências gerais é receber informações para diálogo com os Estados-Nação sobre a situação de direitos humanos relativa a determinadas temáticas ou assuntos, em países específicos ou na região, além de emitir recomendações para o respeito e fruição dos direitos humanos.