Na tarde desta terça-feira (18), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), junto a outras organizações sociais brasileiras, encaminhou uma denúncia para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o agravamento das realidades das comunidades quilombolas brasileiras como resultado da não titulação das terras tradicionais, intensificação da violência a que as comunidades estão submetidas e o desmonte da já frágil política dirigida a estes povos.
Direcionado para a Relatoria sobre os Direitos dos Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial, o documento é dirigido também para as/os relatores sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCA) e Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, além da relatora para o Brasil da CIDH, Antonia Urrejola Noguera. É assinado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), Centro de Cultura Negra do Maranhão, Clínica de Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação de Direito da Universidade Federal do Pará, Comissão Pastoral da Terra, Comissão Pró Índio de São Paulo, Instituto Socioambiental, Justiça Global, Mariana Crioula – Centro de Assessoria Jurídica Popular, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e pela Terra de Direitos.
A denúncia dá sequência ao conjunto de informes realizados pelas organizações brasileiras junto à CIDH para visibilizar internacionalmente a vulnerabilidade das comunidades quilombolas e pressionar o Estado a apresentar informação e avançar na execução de políticas públicas fundamentais para esta população. A nova denúncia aponta que desde a realização do Informe de Carta 41, em junho de 2017, realizado pela sociedade civil, e a realização da audiência temática em outubro do mesmo ano sobre “Direito de Acesso à Terra de Pessoas Afrodescendentes Quilombolas no Brasil”, durante sessão da CIDH no Uruguai, “o cenário de retrocessos de direitos para populações quilombolas se intensificou”. O envio do documento também se relaciona à proximidade da reunião de trabalho sobre o tema no próximo dia 2 de outubro, na cidade de Bolder, nos EUA, por ocasião 169ª Período de Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da qual as entidades participarão.
O documento dá destaque à implementação da Emenda Constitucional 95/2018, que determina o congelamento do orçamento público por vinte anos para áreas como saúde e educação, condicionado apenas à variação da inflação anual, resultado direto no aumento das desigualdades de renda, raça e gênero. “Esta diminuição orçamentária impacta, automaticamente, nas políticas públicas que buscavam garantir os direitos quilombolas. Assim, a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos quilombolas, a titulação de terras quilombolas e a permanências de estudantes quilombolas nas Universidades públicas brasileiras, por exemplo, são algumas das políticas que se vêem severamente impactadas com os cortes promovidos pelo governo federal”, destaca o documento.
Cortes nos orçamentos
A diminuição do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia responsável pela execução da política pública para quilombolas, é exemplar da retração do Estado na garantia de direitos humanos.
O órgão responsável pela titulação teve redução em 2017 em 30% do orçamento total e de 39% do recurso destinado à titulação de áreas quilombolas em relação ao ano anterior. O orçamento para desapropriação de imóveis rurais até abril de 2018 (período de acesso às informações junto ao Incra) foi o menor da série histórica, sendo que representa cerca de 2% da maior dotação orçamentária para essa rubrica. O montante que já alcançou a cifra de R$ 50 milhões foi reduzida a menos de R$1 milhão para o vigente ano.
“As informações sobre o orçamento demonstram que o Estado brasileiro atua de forma seletiva para perpetuar a situação de opressão racial às comunidades quilombolas, pois a destinação insuficiente de verbas irá, sem dúvidas, inviabilizar a efetivação da política”, diz o documento, em outro trecho, sobre a paralização dos processos de titulação das áreas quilombolas. A diminuição do orçamento foi realizada sem consulta livre, prévia e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Além da diminuição do orçamento, a denúncia ainda relata que o governo federal deixou de dar andamento aos processos que aguardam apenas a edição de decretos de desapropriação e que o Incra tem pressionado comunidades para que aceitem a diminuição nos territórios a serem titulados. O informe cita os casos de Mesquita (GO), Kingoma (BA) como exemplos dessa pressão às comunidades pela autarquia.
Como conquista pontual, o documento relata a vitória no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 – que declarou a validade do Decreto 4.887/2003, garantindo, com isso, a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. Ainda que comemorada pelas organizações, a conquista não tem como consequência imediata a titulação das terras para as comunidades quilombolas, já que depende de orçamento público e fortalecimento das políticas e dos órgãos de atendimento à esta população.
Agravamento social
A diminuição do Estado na execução das políticas públicas tem, de acordo com a denúncia, relação direta com o agravamento dos conflitos no campo. O ano de 2017 apresentou índices recortes de assassinatos em decorrência de conflitos no campo: 71, ao total (Relatório Conflitos no Campo 2018 – CPT).
Outro exemplo da fragilização das comunidades quilombolas é o contexto de desassistência estudantil pelo corte nos investimentos. O governo brasileiro, sob justificativa de equilíbrio das contas públicas, tem ameaçado cortar bolsas estudantis de estudantes indígenas e quilombolas. Em anúncio, o governo informou que deve reduzir de 2.500 beneficiados pela bolsa para 800 estudantes.
Publicação Violência contra quilombos
No próximo dia 25/9, a CONAQ e a Terra de Direitos lançam, em parceria com o Coletivo de Assessoria Jurídica Joãozinho de Mangal e a Associação de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), em Brasília, a publicação Racismo e violência contra quilombos no Brasil.
O documento, que integra um conjunto de iniciativas visando à denúncia, visibilização e responsabilização das autoridades públicas a respeito do tema, e será relatado à CIDH, sistematiza violações decorrentes de criminalizações, ataques, ameaças e violências (incluindo assassinatos) entre 2008 e 2017 e suas relações com os quilombos e territórios quilombolas –possibilitando a identificação de estados e regiões atingidos, dos tipos de conflito, dos agentes violadores e das fases do processo de regularização fundiária do território tradicional. Saiba mais.
Solicitações à CIDH
O documento solicita que a CIDH questione oficialmente, com urgência, o Estado brasileiro sobre a titulação das terras quilombolas, em razão da alta vulnerabilidade destes grupos. Também inclui que a Comissão pressione o governo a disponibilizar publicamente informações das ações do Estado para o tema para o próximo período.
Acesse aqui a denúncia entregue à CIDH.
Texto: Lizely Borges/Terra de Direitos
Edição: Maria Mello/Terra de Direitos
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