Após acompanhar mais de 300 audiências de custódia e realizar 20 visitas a presídios do Estado do Rio, a Justiça Global e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/RJ) publicam o relatório “Quando a liberdade é exceção – A situação das pessoas presas sem condenação no Rio de Janeiro”. O levantamento mostra como a prisão provisória, que deveria ser uma medida excepcional, se torna regra no sistema carcerário e explora as condições em que se encontram as pessoas presas sem condenação. São 22 mil detentos esperando julgamento nos presídios do Rio, o equivalente a 44% do total da população carcerária do estado. No caso específico das mulheres, há um aumento exorbitante das prisões por tráfico de drogas, passando de 64 em 2013 para 643 em 2014, um crescimento de 1.004%. A publicação foi lançada dentro do seminário “Quando a liberdade é exceção – Superencarceramento e seletividade penal” no dia 13 de setembro, na UERJ, Zona Norte do Rio.
A seletividade do sistema penal brasileiro atinge especialmente os jovens negros e pobres. Em muitos casos, depois de meses ou mesmo anos presos provisoriamente, os réus não são condenados a pena de privação de liberdade. Ao abordar essa questão, o relatório trata da assistência jurídica, psicossocial e de saúde nas unidadesvisitadas do sistema, que são descritas uma a uma, assim como analisa o funcionamento do sistema de justiça criminal. A publicação também traz análise sobre as audiências de custódia no Rio de Janeiro, projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), implementado na capital em 2015, na qual as pessoas presas em flagrante são levadas a um juiz num prazo de 24 horas, para que seja analisada a necessidade e legalidade da prisão e para que possam ser identificados possíveis sinais de agressão e tortura nas pessoas custodiadas.
“A implementação das audiências de custódia no Rio de Janeiro representa um esforço importante para diminuir o superencarceramento, mas ainda há muito o que se avançar. O projeto ainda está limitado à capital do estado e, como pudemos apurar durante o acompanhamento das audiências, o percentual de pessoas colocadas em liberdade ainda é bastante insatisfatório, revelando a persistência de uma cultura punitivista no Judiciário”, explica Isabel Lima, coordenadora do programa Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global.
A publicação também destaca os preconceitos e dificuldades enfrentados pelas mulheres no sistema prisional. No caso das mulheres transexuais, por exemplo, são diversos os relatos de agressões físicas e psicológicas. As gestantes também enfrentam situações de violação de direitos, que colocam em risco não apenas elas, mas também seus bebês. Em uma das visitas realizadas pela Justiça Global e pelo MEPCT/RJ, foram encontradas 24 gestantes, sendo que 21 mulheres eram presas provisórias. Destas 21, 16 estavam respondendo pela Lei de Drogas (Lei 11.343/06), muitas vezes por delitos provocados sem emprego de violência. Essa situação demonstra nitidamente o descumprimento da Lei 13.257/16, o Marco Legal da Primeira Infância, que incluiu no Código de Processo Penal a possibilidade de substituição da prisão preventiva, no caso de mulheres gestantes ou com filhos com até 12 anos.