Na primeira semana oficial de competições dos Jogos Olímpicos, a Justiça Global enviou um informe à Relatoria de Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais da Organização das Nações Unidas (ONU), em que denuncia algumas das violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro durante o ano de 2016 contra a população das favelas e periferias da cidade do Rio de Janeiro. O informe ressalta o acirramento da repressão policial associada ao processo de preparação da cidade para a realização de megaeventos como os Jogos Pan-americanos (2007), a Jornada Mundial da Juventude (2013), a Copa do Mundo FIFA (2014) e os Jogos Olímpicos (2016).
Os números divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), do Governo do Estado do Rio de Janeiro, revelam que a escalada da violência policial no ano de 2016, em especial nos meses que antecederam a realização dos Jogos Olímpicos. Entre os meses de janeiro a junho deste ano, os autos de resistência aumentaram 14% em relação ao mesmo período de 2015 em todo o estado. O informe ainda pontua que, se levados em conta apenas os números da cidade do Rio de Janeiro, o aumento do número de mortes provocadas por intervenções policiais foi de 16%. Foram 200 autos de resistência na cidade, o que significa dizer que a cada 24 horas uma pessoa foi assassinada pela polícia.
Nos meses que antecederam as Olimpíadas, em maio e junho de 2016, o aumento das mortes provocadas pela polícia alcançou contornos verdadeiramente chocantes. Em maio, a polícia matou 122% mais do que em maio de 2015, somente na cidade do Rio de Janeiro. No mês de junho, trinta dias antes da realização dos Jogos, o percentual de civis mortos pela polícia carioca foi de 104% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Para Monique Cruz, pesquisadora da Justiça Global, a realização de megaeventos mostra-se um fator de grande preocupação, que se soma ao histórico padrão de violação de direitos humanos da polícia no estado. “Historicamente a policia do Rio de Janeiro viola direitos e mata de forma sistemática nas favelas e periferias. Os megaeventos, que tem seu auge nas Olimpíadas, são o principal argumento para a perpetração do terror de Estado sobre essas populações que são de maioria negra”, afirma Monique.
O documento enviado pela Justiça Global ressalta ainda a escalada dos tiroteios durante as incursões policiais em favelas da cidade. Eles tornaram-se rotineiros em territórios como o Complexo do Alemão, trazendo pânico também aos moradores de Manguinhos e Jacarezinho, e Chapéu-Mangueira e Babilônia, áreas que contam com Unidades de Polícia Pacificadora. Em outras áreas da cidade a realidade não é muito diferente – favelas como Acari e Costa Barros, que ficam mais afastadas do Centro da cidade acabam por sofrer incursões violentas sob a justificativa de enfrentamento ao tráfico de drogas.
A Justiça Global denuncia também alguns casos emblemáticos da violência policial ocorridos na cidade nos últimos meses. Em Costa Barros, cinco jovens foram sumariamente executados dentro de um carro, em novembro de 2015, em uma brutal ação de policiais do 41º Batalhão da Polícia Militar, que dispararam 111 tiros contra o veículo. Em Manguinhos, no mês de abril de 2016, um jovem foi morto com um tiro na cabeça durante operação da Policia Militar. Um mês antes, em março, um adolescente também foi morto, com dois tiros nas costas. Também em abril, em Acari, cinco homens foram executados em ação da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) da Polícia Civil em uma ação que teve a presença da polícia federal.
Em maio, o alvo da política repressora foi o morro da Providência, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro. A operação policial comandada pelo BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais – resultou na morte de cinco moradores da favela e de um policial do batalhão, além de quatro pessoas feridas por arma de fogo. Nos dias subsequentes, persistiram as violentas incursões policiais, em retaliação à morte do sargento.
Segundo a Justiça Global, os casos relatados são exemplos claros da persistência de práticas de tortura e de execução sumária, dentre outras violações de direitos humanos, nas favelas do Rio de Janeiro. Para a organização, o Estado brasileiro segue ignorando recomendações importantes para o enfrentamento da violência policial, o que reflete a falta de compromisso de governantes com uma política de segurança menos letal, que pare de encarar a morte como critério de eficiência e que esteja comprometida com o fim dos grupos de extermínio e a defesa da vida.