Apesar dos importantes avanços obtidos na luta por direitos LGBTQIA+, o relatório ‘Na Linha de Frente – 2019 a 2020’, produzido pela Justiça Global e a Terra de Direitos, destaca que a luta pelos direitos LGBTQIA+ foi a segunda temática em que defensoras/es de direitos humanos mais sofreram violência.
Já passaram 34 anos desde que a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade do catálogo da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). No caso da transexualidade, a decisão é ainda mais recente: ocorreu apenas em 2018.
Em menção a esse momento, o dia 17 de maio marca o Dia Internacional contra a LGBTfobia, que celebra a luta pelo combate a tratamento de ódio, preconceito e discriminação contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais.
Mas um dado do relatório Na Linha de Frente – Violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil 2019 a 2022, da Justiça Global e da Terra de Direitos, dimensiona o quanto ainda é arriscado até mesmo lutar pelos direitos LGBTQIA+ no Brasil, apesar dos avanços obtidos nos últimos anos.
A temática foi a segunda em que defensoras/es de direitos humanos mais sofreram violência. A categoria ficou atrás apenas da luta pela terra, território e meio ambiente. Foram registrados 56 casos entre os 1.171 coletados pela pesquisa. Ao menos, 10 pessoas trans ou travestis foram assassinadas, sobretudo mulheres.
Pessoas LGBTQIA+, mesmo quando atuando em outras lutas, ainda sofrem violências adicionais por sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. É o caso do trabalhador rural gay Fernando Araújo dos Santos, assassinado em 2021, em Pau D’Arco, no Pará, e das lideranças indígenas da etnia Guarani Kaiowá Cleijomar Rodrigues Vasques, Timi Vilhalva e Gabriel Rodrigues.
A pesquisa destaca ainda estudo da Abraji, que relata que 7% dos casos de ataque contra jornalistas com expressões explícitas de violência, em que a identidade de gênero ou sexual e/ou a aparência foram instrumentalizadas para oprimir a/o profissional.
Cerca de 20 milhões de brasileiras e brasileiros (10% da população), se identificam como pessoas LGBTQIA+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Mulheres trans estão entre as mais votadas, mas enfrentam violência política
Segundo a ong VoteLGBT, candidaturas LGBT+ receberam em média 30% a mais de votos do que não-LGBT+. Mulheres bis, pans e lésbicas foram 53% das candidaturas LGBT+ e são 77% das eleitas em 2022. Das 18 eleitas para as casas legislativas da última eleição, 5 são trans.
Mas infelizmente, essas pessoas seguem sendo vítimas sistemáticas de violência mesmo em exercício de mandato, como mostra a pesquisa Na Linha de Frente. É o caso da vereadora Benny Briolly, do Psol de Niterói-RJ, a quem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu medidas cautelares pelos casos de ameaças, ofensas e difamações que vêm sofrendo, por vezes, até de colegas de plenário. No caso do deputado Jean Wyllys, ele renunciou ao cargo e deixou o país por conta das constantes ameaças e agressões.
Outra pesquisa, também da Justiça Global e da Terra de Direitos, Violência política e eleitoral no Brasil (2ª edição) – Panorama das violações de direitos humanos entre 2 de setembro de 2020 e 31 de outubro de 2022, aponta que as mulheres transexuais foram alvo de 3,5% dos crimes de violência política eleitoral mapeados, ainda que representem apenas 0,04% dos cargos de eletivos em 2020.
O cotidiano de ataques de ódio contra parlamentares trans e travestis segue atrapalhando o exercício de seus direitos políticos. Ao menos, 17 das 27 mulheres trans e travestis com mandatos em exercício no país sofreram algum tipo de violência transfóbica, segundo levantamento do jornal Folha de São Paulo divulgado em 2022.
No começo deste ano, por ocasião do Dia Internacional da Visibilidade Trans (31 de janeiro), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) instou os governos dos países a tomarem medidas para garantir os direitos políticos das pessoas trans e não binárias.
“Na região, há esforços importantes nessa área.[…] No entanto, ainda existem desafios significativos para a plena participação política das pessoas trans.[…] observa-se com preocupação que pessoas trans que ocupam cargos públicos sofrem violência política, agravada por suas identidades e expressões de gênero, inclusive dentro dos parlamentos.[…] Da mesma forma, durante os processos eleitorais, as organizações da sociedade civil denunciaram um aumento da violência baseada em preconceitos que afeta desproporcionalmente as pessoas trans e não binárias”, escreve a CIDH em nota.
Neste ano de 2024, em que o Brasil se debruça em eleições municipais no segundo semestre, a Justiça Global espera que as pessoas LGBTQIA+ possam atuar e participar livremente de qualquer espaço de tomada de decisão, especialmente como candidatas/os e/ou como defensor/as de direitos humanos.
Foto da capa: Coletivo LGBT Sem Terra. Crédito: ViniciusOliveira.