Após 20 anos de luta contra gigantes, famílias assinam contratos para serem assentadas em Piquiá da Conquista–MA

Bairro foi construído por exigência dos moradores de Piquiá de Baixo, no município maranhense de Açailândia, frente aos impactos de siderúrgicas e da Estrada de Ferro Carajás, da Vale.

Os moradores do bairro de Piquiá de Baixo, em Açailândia–MA, celebram uma importante conquista nesta semana! Em mutirão entre segunda e terça-feira (7 e 10/10), foram assinados os contratos com a Caixa Econômica Federal para que as 312 famílias atingidas pelas atividades de mineração e siderurgia no bairro recebam as chaves e sejam assentadas no novo bairro, denominado de Piquiá da Conquista. 

O reassentamento é reivindicado desde 2008, após um referendo feito pelos moradores, diante da poluição do ar e outros prejuízos sociais e ambientais causados pelas atividades siderúrgicas e pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), da mineradora Vale. 

A obra ocorreu por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. “O reassentamento não se enquadra apenas na entrega de condições mínimas de moradia a quem não tem casa, mas corresponde a uma indenização e devolução da qualidade de vida a mais de 300 famílias que tiveram seus direitos violados por mais de vinte anos”, escrevem os comunicadores populares DA Associação Comunitária de Moradores de Piquiá (ACMP) no site

“Este momento representa um marco na história de Piquiá de Baixo, um símbolo da força e resiliência de uma comunidade que nunca desistiu de lutar por melhores condições de vida. Mais do que casas, essas famílias conquistam dignidade e a esperança de um futuro melhor”, observa a Justiça nos Trilhos, organização que apoia e assessora a comunidade. 

Agora, a mudança das famílias para suas novas casas está se aproximando. Ainda é necessário registrar os contratos em cartório para que, finalmente, seja feita a tão esperada inauguração do bairro. Esse processo simboliza uma vitória coletiva, mas também serve como um lembrete de que a luta por reparação ambiental e justiça social é contínua, com a Vale S.A., as siderúrgicas e o Estado sendo diretamente responsáveis pelas violações que tornaram esse reassentamento necessário.

Impactos na cadeia produtiva da mineração

A luta do povo de Piquiá começa em 1987, com a chegada da indústria siderúrgica no local e construção de cinco usinas ao longo do Rio Piquiá, muito próximas às casas da comunidade. 

O minério bruto extraído pela Vale na Serra de Carajás, no Pará, chega pela ferrovia e, nas siderúrgicas, é transformando em ferro-gusa (uma mistura de ferro, carbono e silício, que serve de matéria-prima para produção de aço e outras ligas de ferro), a partir da queima do carvão feito de madeira nativa ou de eucalipto das monoculturas. 

Nessa etapa, estão envolvidas cinco empresas: Viena Siderúrgica S.A., Ferro Gusa do Maranhão, Siderúrgica do Maranhão S.A., Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré e Gusa Nordeste S.A. De lá, é transportado nos trilhos até o porto de Itaqui, em São Luís–MA, para venda aos mercados internacionais.

Ao longo desses anos, o carvão usado pelas siderúrgicas deixou de ter origem na queima de mata nativa da Amazônia para a exploração de monocultivo de eucalipto. 

A cidade, a oitava mais populosa do estado (Censo Demográfico 2022), fica no Oeste Maranhense, próximo à Imperatriz–MA e a Rondon do Pará–PA.

Relatório de 2011 apontava violações 

Realizado a partir de uma metodologia de avaliação de impactos em direitos humanos ocasionados por megaempreendimentos, com processo centrado na participação das comunidades afetadas, a Justiça nos Trilhos, a Justiça Global e a Federação Internacional de Direitos Humanos publicaram em 2011 o relatório Brasil: quanto valem os direitos humanos?, sobre os efeitos da indústria de mineração e da siderurgia em Açailândia. 

O documento descreve uma série de violações às pessoas e danos ao meio ambiente, como a poluição do ar, da água e do solo – gerando problemas à saúde e ao plantio. Também foram identificados acidentes com queimaduras graves causados pelo depósito de resíduos das siderúrgicas. Esses prejuízos ainda foram agravados pela precariedade de serviços básicos, como atendimento em saúde e serviço de limpeza urbana.

Em diversos momentos, órgãos fiscalizadores denunciaram trabalho análogo à escravidão nas plantações, extração de madeira, carvoarias, e outras etapas do processo produtivo. A água do rio local é usada para resfriamento dos fornos e devolvida aquecida e contaminada por metais pesados. 

Além disso, a construção da Estrada de Ferro Carajás não respeitou as populações dos municípios e deixou de construir, por exemplo, passarelas ou viadutos, provocando divisão do território, dificuldade de mobilidade, obstrução do tráfego, atropelamento de animais e pessoas, além de rachaduras nas casas e de ruídos que impedem o bem-estar dos moradores. 

O relatório ainda aponta os danos sofridos pela comunidade na busca por justiça, incluindo a dificuldade de acessar informação, irregularidades nos processos de aprovação dos estudos de impacto ambiental e ataques contra a honra, reputação e liberdade de expressão daqueles que atuam em favor das comunidades. As organizações destacam a omissão do Estado brasileiro em relação às atividades das empresas envolvidas e na efetivação de políticas públicas. 

Para Melisanda Trentin, coordenadora do Programa de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, “a assinatura do contrato entre os futuros moradores e moradoras do Piquiá da Conquista é um momento de reafirmação do lugar de protagonismo da comunidade do Piquiá. Foram anos de luta pelo direito à moradia, a uma vida digna e livre dos efeitos devastadores da cadeia da mineração”. 

Recomendações não efetivadas

Oito anos depois, a persistência dos problemas relatados no referido relatório e os impasses existentes no processo de reparação das violações de direitos, levaram a FIDH e a Justiça nos Trilhos a atualizar as análises do cenário de violações de direitos humanos em Açailândia e a realizar um balanço sobre o grau de efetivação das recomendações feitas em 2011. 

O informe Piquiá foi à Luta revelou que nenhuma das 39 recomendações foi plenamente efetivada e que, em mais de 70% das mesmas, não foi identificado nenhum avanço em relação ao que foi recomendado. A omissão, tanto do poder público, que possui a atribuição de fiscalizar e autorizar o funcionamento das empresas, quanto das empresas violadoras dos direitos da comunidade, é flagrante.  

Piquiá de Baixo, reassentamento já! 

Foto da capa: O mutirão de assinaturas de contratos foi realizado no Centro Comunitário de Piquiá da Conquista – Crédito: Yanna Duarte/Justiça nos Trilhos. 

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