Extinção da pena a policiais responsáveis pelo Massacre do Carandiru demonstra como opera o racismo no Brasil

TJ-SP declarou que é constitucional os critérios para o indulto concedido em 2022 por Bolsonaro, nos quais se enquadravam os militares. Em 2 de outubro de 1992, 111 pessoas foram assassinadas em ação policial em unidade do complexo prisional em São Paulo.

A Justiça de São Paulo declarou constitucional o indulto concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022 a todos os policiais condenados pelo Massacre do Carandiru. Embora o Ministério Público Estadual há tenha recorrido, a decisão já gera indignação em setores da sociedade civil que lutam pela memória e justiça das vítimas.

O massacre, que completou 32 anos no último dia 2 de outubro, resultou na morte de 111 pessoas privadas de liberdade durante a repressão a uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo. Ao todo, 74 policiais militares foram denunciados e condenados em júri popular entre 2013 e 2014. Três dos réus foram absolvidos por falta de provas, e muitos dos condenados continuaram atuando na polícia.

“É lamentável que, mais uma vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo opte pela não responsabilização de um dos crimes mais cruéis cometidos por agentes do Estado contra pessoas privadas de liberdade no Brasil”, afirma Sandra Carvalho, co-fundadora da Justiça Global e que fez parte de comitiva que integrou o primeiro grupo da sociedade civil a entrar no Pavilhão 9, local dos crimes, logo após o massacre.

A decisão é vista como um retrocesso pela Justiça Global, por violar a dignidade humana e anistiar a pessoas envolvidas em crimes de lesa-humanidade, incluindo tortura.”A extinção da pena é um ataque à memória e à luta por justiça pelas vítimas da Chacina do Carandiru. Contudo, nada apagará a responsabilidade do Estado brasileiro nesse episódio. A decisão apenas demonstra como o racismo institucional opera no Brasil”, complementa Glaucia Marinho, diretora da Justiça Global.

A decisão da 4ª Câmara de Direito Criminal, que foi tomada em 2 de outubro, mas só se tornou pública uma semana depois, confirma a sentença anterior do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. O indulto, decretado em dezembro de 2022 por meio do Decreto n.º 11.302, perdoa agentes de segurança condenados por crimes cometidos há mais de 20 anos, mesmo que ainda fossem considerados hediondos à época. Vale lembrar que o crime de homicídio qualificado só passou a ser classificado como hediondo a partir de 1994.

Em 2023, após contestação da Procuradoria-Geral da República, a ministra Rosa Weber, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu temporariamente o indulto. No entanto, em junho deste ano, o ministro Luiz Fux, relator da ação, determinou o prosseguimento do julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo.

A falta de responsabilização dos agentes de segurança que cometem crimes é um problema crônico no Brasil e reflete a profunda desigualdade no sistema de justiça do país. Historicamente, policiais e outros agentes do Estado envolvidos em casos de violência, execuções sumárias ou tortura raramente enfrentam punições adequadas, especialmente quando as vítimas pertencem a grupos socialmente excluídos, como pessoas pobres, negras e privadas de liberdade.

Esse padrão de impunidade alimenta uma cultura de violência institucional, na qual os excessos cometidos em nome da segurança pública são tolerados ou até incentivados por parte do Estado. A ausência de responsabilização efetiva contribui para a perpetuação de abusos e fortalece o racismo estrutural, tornando ainda mais difícil a construção de uma sociedade justa e democrática.

Crédito da capa: Foto de arquivo de 2 de outubro de 1992 mostra multidão de parentes e curiosos na entrada da Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) a espera pelo final do confronto entre detentos e policiais (Foto: Heitor Hui/Estadão Conteúdo/Arquivo)

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