Projeto Grão-Pará e governo do MA fazem manobra em licenciamento ambiental de megaempreendimento

Empresa tenta fragmentar licenciamento ambiental para evitar que projeto tenha que ser aprovado pelo Ibama.

VIA ARTICULAÇÃO ANTI-GPM

A empresa Grão-Pará Multimodal (GPM) pretende fatiar o licenciamento ambiental de porto e ferrovia previstos no projeto Grão-Pará Maranhão para garantir que a aprovação sejam feitas pelo governo estadual do Maranhão – e não pela gestão federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

O projeto que compreende um porto de águas profundas em Alcântara–MA ligado a uma ferrovia de 500km até Açailândia, atravessando 22 municípios e afetando mais 500 comunidades, entre povos indígenas, quilombolas, assentados e outras.

As informações foram obtidas pela Articulação Anti-GPM, uma coalizão de grupos de atingidos/as e organizações da sociedade civil frente aos impactos de empreendimento. Para a Articulação, a manobra de subdimensionar o projeto visa facilitar a aprovação sem a análise mais rigorosa do Ibama, contando com a menor capacidade e maior permissividade do governo estadual e declarado apoio ao empreendimento. A estratégia é bastante utilizada para esconder reais impactos de mega empreendimentos. 

Impactos sociais e ambientais ocultos

Ao fragmentar o licenciamento, os estudos deixam de avaliar os impactos cumulativos e sinérgicos dos empreendimentos. Isso ameaça comunidades tradicionais da região, incluindo quilombolas e pescadores, e prejudica ecossistemas locais. A estratégia também contraria a legislação, pois o Terminal Portuário de Alcântara está localizado em área da União, o que exige licenciamento federal.

O próprio empreendedor admite a complementaridade dos empreendimentos no Termo de Referência enviado à Sema, e sugere que os dois estudos se apoiem. “A consonância de metodologias e complementariedade de dados entre o EIA-RIMA da Ferrovia com o EIA-RIMA do Terminal Portuário de Alcântara – TPA será necessariamente considerada, objetivando uma visão integrada dos atributos socioambientais locais e regionais, permitindo uma análise efetiva de efeitos sinérgicos e cumulativos dos impactos potenciais”, diz o texto.

O caminho burocrático

Em outubro de 2023, a Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão (Sema) começou a analisar um termo de referência proposto pela empresa contratada pela GPM para analisar a Fase I do Terminal Portuário de Alcântara (TPA), chamada de fase “rodoviária”. O documento foi aprovado em janeiro deste ano pelo superintendente de Licenças Ambientais do Maranhão, Jefferson Renan da Silva Nunes. 

À empresa Virtú, contratada pela GPM, o superintendente destaca em sua análise técnica que o empreendimento será capaz de movimentar até 15 milhões de toneladas por ano de granéis agrícolas. Portanto, o próprio aponta que considera que o órgão federal – o Ibama, no caso – seja oficiado e consultado sobre o projeto, considerando a possibilidade de expansão da atividade. 

Conforme o art.3 do Decreto no 8.437, de 22 de abril de 2015, são competência do órgão federal empreendimentos como “IV – portos organizados, exceto instalações portuárias que movimentam carga em volume inferior a 450.000 TEU/ano ou 15.000.000 ton/ano;

V – terminais de uso privado e instalações portuárias que movimentam carga em volume superior a 450.000 TEU/ano ou 15.000.000 ton/ano;”.

Um processo já havia sido submetido pela empresa ao órgão federal, mas um mês antes de acionar a Sema, em 29 de setembro de 2023, o empreendedor pediu o arquivamento do processo.

No que consiste a primeira fase

Segundo o documento obtido, o TPA terá um acesso rodoviário, com infraestrutura que envolve um retroporto, o qual envolve:

  • acesso rodoviário à BR-308 de 5,4km de extensão, incluindo uma ponte de 650m de comprimento sobre o rio Cojupe;
  • três armazéns para granéis agrícolas;
  • área de apoia junto aos armazéns;
  • esteiras transportadoras;
  • área administrativa;
  • pátio de caminhões;
  • área para canteiro de obras.

Também prevê uma infraestrutura marítima, com:

  • ponte de 600m de acesso ao cais;
  • cais para dois berços de 300m de comprimento cada;
  • carregadores de navios;
  • bacias de manobras – sem necessidade de dragagem;
  • canal duplo de entrada e de saída.
Em seminário realizado em junho de 2024, representantes de organizações e comunidades discutiram impactos do projeto Grão-Pará Maranhão. Crédito: Emily Maya/Justiça Global.

Ministério Público Federal aponta ilegalidade

Durante o seminário “Impactos do Projeto Grão-Pará Maranhão: Terminal Portuário de Alcântara e Ferrovia EF-317”, realizado em junho de 2024 pela Articulação Anti-GPM, o Ministério Público Federal (MPF) reforçou a irregularidade do licenciamento estadual. Segundo o procurador Hilton Araújo de Melo, “o porto está em área da União, e o licenciamento deveria ser feito na esfera federal. Vamos analisar juridicamente e, constatando irregularidades, haverá impugnação imediata”.

O que está em jogo?

O projeto representa uma ameaça às comunidades e à biodiversidade do Maranhão. Ao evitar a análise completa de seus impactos, a Grão-Pará Maranhão busca acelerar a aprovação do empreendimento às custas da proteção ambiental e dos direitos humanos. O porto pode ocupar mais de 80% do território quilombola na Ilha do Cajual e a ferrovia atravessa 22 municípios do estado, afetando cerca de 500 povos indígenas e comunidades tradicionais e de assentamentos da reforma agrária. 

Articulação pede mobilização social

A Articulação Anti-GPM convoca a sociedade civil, organizações sociais e movimentos ambientais para pressionar as autoridades e exigir que o licenciamento seja conduzido pelo Ibama. Além disso, pede que os impactos reais sejam devidamente avaliados e que as comunidades tradicionais sejam respeitadas.

Entenda mais na cartilha.

 

Foto da capa: Em intercâmbio realizado em abril, comunidade discute impactos sobre território quilombola Vila Nova, na Ilha do Cajual, que faz parte de Alcântara–MA. Crédito: Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

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