Reunião tratou de providências no cumprimento das medidas provisórias determinadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) ao Brasil em relação à Unidade de Internação Socioeducativa do Espírito Santo (UNIS), das quais a Justiça Global é copeticionária.
Via Conselho Nacional de Justiça
Membros da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (UMF/CNJ) estiveram reunidos com representantes de entidades públicas e da sociedade civil para tratar da adoção de providências no cumprimento das medidas provisórias determinadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) ao Brasil em relação à Unidade de Internação Socioeducativa do Espírito Santo (UNIS).
O objetivo da UMF/CNJ é monitorar e fiscalizar as medidas adotadas pelo poder público para o cumprimento das decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, compreendendo sentenças, medidas provisórias, resoluções e opiniões consultivas proferidas pela Corte IDH e recomendações, resoluções, relatórios e medidas cautelares proferidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em reunião ocorrida na terça-feira (3/12), foram elencados conquistas e desafios que precisam ser enfrentados para que as determinações da Corte IDH sejam cumpridas e haja, de fato, redução da violência nas unidades socioeducativas capixabas.
Prestes a completar 15 anos, o caso vem sendo monitorado pela UFM/CNJ desde sua criação, em 2021. No ano de 2023, foi assinado o Protocolo de Intenções n. 3 entre Conselho Nacional de Justiça, Governo do Estado do Espírito Santo, Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública do Espírito Santo.
Entre os focos do documento, está a implementação de um plano de trabalho com a participação de vários entes, com objetivo de promover a adoção de medidas que promovam redução na superpopulação, o aprimoramento das condições de internação dos jovens e o controle do uso da força. Durante a reunião, os representantes dos órgãos apresentaram sugestões e boas práticas que começaram a ser implantadas nos últimos meses, como a criação da Delegacia Especializada do Adolescente em Conflito com a Lei para atender situações de flagrante de ato infracional 24h por dia, todos os dias da semana.
Progressos
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César Santos Júnior afirmou que a medida é um passo importante. “A Constituição brasileira, em seu artigo 227, garante prioridade absoluta às crianças, aos adolescentes e aos jovens . E nunca é demais lembrar que o adolescente autor de ato infracional também é tributário dessa prioridade absoluta constitucional. É nosso dever colocá-los no centro de nossas ações”, afirmou.
Outro avanço mencionado na reunião foi a posse de três peritas do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo, que tem como diretriz o respeito aos direitos humanos, em especial das pessoas privadas de liberdade. “A posse das primeiras peritas do MEPCT do Espírito Santo é algo a ser festejado, pois dá satisfação a um dos questionamentos da Corte IDH, que era o nível de violência que acontecia nessas unidades socioeducativas no estado. O Mecanismo, portanto, é órgão que vem somar na prevenção e no combate à tortura no Espírito Santo”, reforçou o magistrado.
Apesar dos avanços, não se chegou a um acordo em relação a questões consideradas fundamentais para o caso UNIS. Entre elas está a reformulação do Manual de Rotinas, Classificação de Risco e Procedimentos de Segurança, especificamente no que diz respeito ao uso da força de segurança, o que inclui uso de algemas e de instrumentos menos letais pelos agentes de segurança da instituição.
Atualmente, há 563 adolescentes em unidades socioeducativas do Espírito Santo, de acordo com dados obtidos na página do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (IASES). O instituto conta com 557 agentes socioeducativos efetivos e 850 servidores em designação temporária que atuam como agentes.
Coordenadora da área de Violência Institucional e Segurança Pública da organização Justiça Global, uma das peticionárias do caso UNIS, Monique Cruz se disse preocupada com o longo período de espera pela conclusão do caso perante a Corte e a falta de avanços reais, uma vez que privilegiam a segurança em detrimento ao acesso a direitos.
Outros participantes do encontro mencionaram também entraves estruturais da UNIS, como baixa qualificação dos agentes; dificuldade no acesso à educação e elevado tempo de permanência dos jovens.
A representante do Justiça Global destacou o racismo sistêmico local, onde “95% dos internados são meninos negros”.
Edinaldo César Santos ponderou que o caminho para que a socioeducação seja um lugar de dignidade humana exigirá trabalho em rede de todos os atores e atrizes do Sistema de Justiça e do Sistema de Garantia dos Direitos das Crianças e Adolescentes. “Temos de fazer das unidades socioeducativas um lugar de garantia de direitos humanos, como previsto em lei, e precisamos entender o que é necessário para que isso se torne uma realidade. Cada um de nós, enquanto instituição, no plano de ação acordado, tem uma responsabilidade, uma ação a ser desenvolvida para que a medida da Corte seja levantada e não desejo que fracassemos nessa missão. A história nos cobrará se fracassarmos.” Um próximo encontro ficou marcado para fevereiro de 2025.
Superlotação e mortes
O caso UNIS remete ao histórico de maus-tratos e morte de três adolescentes, ocorridas dentro de uma unidade socioeducativa do Espírito Santo ainda em 2009. Os casos foram levados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2010 pelas entidades não governamentais Justiça Global e Centro de Direitos Humanos da Serra (CDDH/Serra), em parceria com a Pastoral do Menor e com o apoio da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard.
Em 2011, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) emitiu a primeira resolução exigindo que fossem adotadas medidas para proteger a vida e a integridade pessoal de toda e qualquer pessoa que se encontre na UNIS e segue até hoje a exigir solução em relação ao tratamento dos jovens privados de liberdade na unidade capixaba.
O local é destinado ao cumprimento de medidas socioeducativas impostas a adolescentes. À época da emissão das medidas provisórias, foi constatada superlotação; rebeliões; falta de separação entre adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa por idade, constituição física e gravidade da infração; denúncias de ataques e tortura de adolescentes por parte de funcionários da UNIS e por outros adolescentes do centro; e a mortes de três jovens socioeducandos.