Armamento da guarda civil municipal: o que uma tragédia em Osasco tem a ensinar ao Rio?

Na última segunda-feira (06) um guarda civil metropolitano (GCM) disparou dez tiros contra seu chefe imediato, o secretário-adjunto de segurança, dentro do prédio da Prefeitura de Osasco, em São Paulo. A tragédia ocorreu em um momento em que a cidade do Rio de Janeiro discute, novamente, o uso de armas de fogo pela Guarda Municipal.

Análise | Por Monique Cruz*

Eleito no primeiro turno das eleições municipais de 2024, o prefeito, Eduardo Paes, durante a posse de seu novo mandato, no dia 1º de janeiro, não perdeu a oportunidade de declarar o seu desejo de criar uma espécie de tropa especial da Guarda Municipal para atuar na segurança pública na cidade. 

A proposta não é novidade. Em agosto de 2024, já em contexto de campanha eleitoral, a matéria voltou à Câmara Municipal pela vigésima vez, sem chegar a ser votado em meio às divergências sobre a medida.

Embora busque um caminho diferente das anteriores: em vez de armar toda a Guarda, o texto quer criar (mais) uma tropa de elite armada, ignorando que a cidade do Rio de Janeiro, definitivamente, não precisa de mais armas nas ruas, independente do fim a que se destinem. 

A democracia brasileira tem cerca de 40 anos e, desde a sua consolidação, pouco avançou na promoção de segurança pública – no sentido de proteger a vida, a tranquilidade, os direitos e o bem-estar da população. E a cada dia, as políticas públicas no campo ganham contornos mais militarizados, masculinistas e de guerra. 

Neste contexto, governadores e secretários de segurança – todos eles homens majoritariamente brancos –, ampliam espaços de elaboração, implementação e avaliação, nos quais é alijada a participação, democrática, da sociedade civil (veja a criação recente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública). 

O aprofundamento das condições de insegurança em cidades como o Rio de Janeiro passam diretamente pelos modelos de segurança pública implementados, que não apenas são baseados no confronto armado e na violação de direitos, como também pelo descontrole e atomização. 

Na gestão estadual, o Rio de Janeiro, de maneira geral, não tem mecanismos consistentes de controle externo ou interno das polícias. A exemplo, mesmo tendo sido recriada, a Secretaria de Estado de Segurança Pública continua não tendo poderes efetivos sobre outras duas secretarias, das polícias militar e civil, que mantêm os mesmos poderes situação no organograma governamental. 

A atuação das duas corporações segue sendo marcada pela falta de transparência, pela insistência em condutas violentas, resistência a determinações judiciais e aprofundamento os contextos de guerra encontrados em determinadas localidades do estado. 

Armar a Guarda Municipal do Rio de Janeiro, como em qualquer outro município, apenas aprofunda o terror já vivido na cidade e o risco de termos mais uma força estatal armada e sem controle de qualquer ordem. É o que evidenciam episódios notórios recentes, em que a presença da arma de fogo acabou resultando em mais crimes, especialmente contra a vida. 

Outros casos no estado de São Paulo, onde a guarda civil municipal (GCM) já é armada em vários municípios, antecederam a tragédia em Osasco na última segunda (7) que terminou no assassinato do secretário-adjunto de Segurança e Controle Urbano de Osasco, Adilson Custódio Moreira, de 53 anos, pelo então inspetor e comandante da corporação. 

Em dezembro de 2023, um agente de Mogi das Cruzes foi considerado suspeito de assassinar sua companheira e colega de profissão e depois se matar. No mesmo mês, outro caso: em Santos, um guarda civil matou o próprio cachorro a tiros. Segundo a mãe do rapaz, a atitude foi tomada porque ela e seu esposo, pai do agente, teriam sido mordidos pelo animal.  

Um ano antes, um jovem de 19 anos foi baleado por um GCM após sair da faculdade em São Bernardo do Campo. Na ocasião, o agente foi preso por ter mentido no depoimento alegando que o rapaz estava armado, mas logo em seguida pediu para retirar parte do depoimento. 

Mesmo em cidades do Rio de Janeiro, como na própria capital, onde a medida ainda não foi tomada, agentes da Guarda Civil se envolvem em crimes com uso de arma de fogo. Foi o caso da guarda municipal do próprio Rio de Janeiro em 2021, quando um guarda matou três pessoas em um bar por não aceitar “brincadeiras”, e depois ainda atirou contra policiais militares chamados para atender a ocorrência no bairro de Vigário Geral, na Zona Norte, 

Naquele mesmo ano, no mês seguinte, outro guarda municipal disparou mais de 20 tiros contra um Policial Militar durante um desentendimento em Nilópolis, município da Baixada Fluminense. 

O histórico evidencia que inserir armas de fogo nas guardas civis municipais do país, que hoje já usam armamentos menos letais, não contribui para a redução da violência, mas, ao contrário, intensifica os riscos para a sociedade.

Por isso, no debate já acenado no Rio de Janeiro para o ano 2025, é preciso se afastar de propostas que busquem militarizar ainda mais sua segurança pública e investir em políticas que promovam o controle da atividade policial, para atuarem com inteligência e partindo do pressuposto da proteção da vida, a justiça social e o fortalecimento da democracia. 

*Monique Cruz é assistente social, pesquisadora e coordenadora do programa de combate à violência institucional e segurança pública da Justiça Global.

Crédito da capa: Divulgação/Prefeitura do Rio de Janeiro.

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