O julgamento da ação conhecida como ADPF das favelas foi suspenso novamente nesta quarta-feira (05) após apresentação do voto do relator, ministro Edson Fachin, que acatou parcialmente os pedidos da ação.
Em mais de três horas de duração e 186 páginas, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, apresentou nesta quarta-feira (06/02) seu voto como relator da ADPF das Favelas – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 635.
Fachin confirmou, ou seja, julgou procedente o questionamento apresentado na ação, impetrada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019, de que há um estado de coisas inconstitucional na política de segurança pública no Rio de Janeiro–RJ – em face ao histórico índice de letalidade policial – e acatou parcialmente os pedidos apresentados na ADPF, estabelecendo uma série de parâmetros para controle da atividade policial – incluindo nas abordagens (evitando-se a filtragem racial), controle de armas e munições, entre outros itens.
Leia aqui o voto na íntegra.
Ainda são necessárias as apresentações dos votos dos demais dez ministros para concluir o julgamento, suspenso pelo presidente do plenário, Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, por volta de 18h30. A conclusão da análise ainda vai ser agendada, mas a expectativa é que ocorra ainda em fevereiro.
Em seu voto, o ministro relator manteve boa parte das medidas deferidas pelo Supremo em 2022, quando foram deferidas medidas cautelares no âmbito da ação, como a instalação de câmeras no uniforme e nas viaturas dos agentes de segurança, planejamento das operações e mecanismos de transparência. Para o ministro, as medidas se mostraram eficazes em reduzir a letalidade policial.
Entre as novidades, entretanto, está a possibilidade de afastamento de policiais envolvidos em assassinatos, assim como a possibilidade da realização de perícias conduzidas fora da Polícia Civil do RJ, quando agentes da corporação estiverem envolvidos.
Fachin propôs ainda, caso o resultado da votação acompanhe sua análise, que seja criado um grupo de monitoramento das decisões, com participação da sociedade civil, academia e indicações do Conselho Nacional de Justiça.
“Ter um órgão de monitoramento desse conjunto de decisões é muito importante. A ADPF 635 é uma ação de litigância estrutural, já que ela propõe mudanças de largo espectro dentro da política de segurança pública, que não vêm com uma canetada, mas por processos de fiscalização, imposição e cumprimento de metas e de mudanças de culturas institucionais por meio do monitoramento da sociedade civil e do STF, do CNJ, a depender de como esse mecanismo de monitoramento se coloca no final da ação”, comentou a diretora-adjunta da Justiça Global, Daniela Fichino.
Fachin destacou redução da letalidade desde a ADPF confrontou desinformação contra a ação promovidas pelo Governo do RJ
Durante a apresentação do voto, Edson Fachin questionou as alegações apresentadas aos autos pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, que faz a defesa do governo estadual, de que a ADPF teria atrapalhado a atuação do governo no enfrentamento de grupos armados ilegais.
“Com toda a vênia, a inferência, como fez a manifestação final nos autos do estado do Rio de Janeiro de que as decisões tomadas nesta ADPF teria consequências práticas, como a migração de criminosos nacionais para o RJ ou a criação de entrepostos invioláveis para a comercialização de armas e drogas consiste em alegação desacompanhada de respaldo fático e histórico e inexiste qualquer dado, documento ou análise consistente que estabeleça nexo de causalidade entre os referidos problemas preexistentes e as medidas tomadas nesta ADPF, as quais, repita-se jamais proibiram operações policiais, mas tão somente exigiram – como exigem – o atendimento mínimo de parâmetros de planejamento, transparência e de controle externo e especialmente no período da pandemia, cujas determinações também se deram a comprovação lá de sua excepcionalidade, cuja decisão se dá por análise e decisão das próprias forças policiais”, enfatizou.
Segundo dados divulgados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, de junho de 2020 a janeiro deste ano, as policiais Civil e Militar do Rio de Janeiro comunicaram a realização de cerca de 4.600 operações em comunidades do estado, ou seja, uma média de três operações por dia. Apenas em 2024 e no primeiro mês deste ano, foram 1.354 operações, sendo 1.208 da PM e 146 da Civil.
O ministro relator também desconstruiu com dados a falsa relação entre a letalidade policial e a redução da criminalidade.
Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, em 2023, foram 871 mortes decorrentes de intervenção de agentes do Estado no RJ, o menor número desde 2015 e quase mil a menos quando a APDF foi proposta. Uma redução de 52% entre 2019 e 2023.
“Tais inúmeros evidenciam que a adoção de parâmetros de controle e transparência têm o condão de viabilizar o exercício da segurança pública de forma competente e sem elevação dos índices de criminalidade”, apontou o ministro.
Na avaliação de Daniela Fichino, a disseminação dessas informações falsas corroboram para um entendimento de que existe um incômodo com essa ADPF e com que ela pode trazer de mudanças para arranjos já estabelecidos no estado do Rio de Janeiro, que misturam lógicas legais e ilegais das práticas da polícia e de grupos criminosos que também são afetados quando aumenta a fiscalização e o poder de supervisão das instituições sobre as agências de Estado.
“A ADPF 635 é uma ação de grande relevância que pode ser um marco importante para um começo de superação de uma política que tem vitimado desproporcionalmente jovens negros, moradores de favelas e que tem sido caracterizada há muitos anos pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil como uma política genocida e que é essencial para o futuro da democracia brasileira que esse estado de coisas institucional reconhecido pelo voto do ministro Edson Fachin seja efetivamente superado”, observou.
Sociedade civil acompanhou votação presencialmente e fez ato na véspera para marcar a luta
A ADPF das Favelas tem sido conduzida em conjunto com uma série de movimentos negros, de mães e familiares de vítimas da violência policial, de favelas, além de organizações da sociedade civil. Uma das particularidades desta ação é o fato de ser a primeira a ter movimentos sociais entre os amici curiae, fato inédito na história do judiciário brasileiro.
Após cinco anos de tramitação, o STF iniciou, em novembro de 2024, o julgamento de mérito da ação. Na ocasião, quase 300 organizações, de diversos setores da sociedade civil, assinaram carta-manifesto em apoio à ação (leia mais).
Durante a sessão, cerca de 25 representantes de partes da ação foram ouvidos, entre eles a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que também apresentou dados dos efeitos das operações policiais na vida da população – dias de escola e de consulta médica perdidos, por exemplo.
Assim como na primeira parte do julgamento, representantes de diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil se manifestaram na Praça dos Três Poderes, em Brasília–DF, nesta quarta-feira (05/02) pelo fim do racismo e da violência policial.
Crédito da capa: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.