No Nordeste, no Centro-Oeste e no Sul: Marco Temporal intensifica violência contra povos indígenas

Povos indígenas Pataxós e Pataxó Hã-hã-hãe, Avá-Guarani e Guarani-Kaiowá enfrentaram agravamento dos conflitos em março.

Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) debate a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701) para demarcação de terras indígenas, aprovada em 2023, territórios indígenas têm enfrentado ataques violentos em diversas regiões do país. A lei aprovada em 2023 pelo Congresso Nacional estabelece que só podem ser demarcadas as terras indígenas ocupadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição Federal (outubro de 1988).

A estagnação na demarcação de terras e o risco de desmonte dos direitos indígenas intensificam os conflitos e a resistência dos povos originários. Diante desse cenário, os povos indígenas reafirmam sua luta por terra, segurança e direitos, prometendo continuar as retomadas e mobilizações até que suas reivindicações sejam atendidas.

O assunto é discutido numa câmara de conciliação instalada pelo ministro Gilmar Mendes. O Supremo já havia avaliado. Mas as representações indígenas se retiraram do espaço diante do risco que as discussões da comissão especial resultem no que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) chama de “desconstitucionalização da nossa Carta Magna”, com o esvaziamento dos direitos dos povos indígenas para atender interesses econômicos.

Pataxós e Pataxó Hã-hã-hãe (Sul da Bahia)

O indígena Vitor Braz foi morto a tiros no último dia 10, durante um ataque armado contra a comunidade Pataxó na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, em Porto Seguro, Bahia. Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), outro indígena também foi gravemente ferido e passou por cirurgia.

O assassinato coincidiu com a ida de uma delegação composta por cerca de 300 Pataxó, Pataxó Hã-hã-hãe e Tupinambá a Brasília. Os indígenas foram participar de uma audiência pública e agendas relacionadas à demarcação das terras indígenas dos povos, constantemente acossadas pelo agronegócio e a especulação imobiliária.

Na mesma semana, um segundo ataque foi denunciado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A casa de um cacique Pataxó foi incendiada na Terra Comexatibá, território vizinho à TI Barra Velha. O ataque armado ocorreu enquanto ocorria uma audiência pública em Brasília sobre a homologação da demarcação da TI Barra Velha, promovida pelo Ministério Público Federal.

Em protesto, indígenas pataxós interditaram a BR-367, na altura da Reserva da Jaqueira, afetando o trânsito entre Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália. A manifestação ocorreu um dia após a “Operação Pacificar”, conduzida pela Polícia Civil, com apoio da Polícia Federal e da Polícia Militar, resultando na prisão de 11 pessoas e na apreensão de diversas armas.

Segundo o Cimi, a operação foi marcada por truculência. Houve disparos contra residências, uso de bombas de efeito moral e identificação de fazendeiros e pistoleiros entre os agentes envolvidos. Ao menos, 14 indígenas foram presos e 25 ficaram temporariamente desaparecidos. A relatora da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos Mary Lawlor se manifestou em suas redes sociais nesta quarta-feira (19) cobrando a “responsabilização” dos envolvidos.

https://x.com/MaryLawlorhrds/status/1902310116335968460?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1902310116335968460%7Ctwgr%5Ecfc224f42e8acfc0c662daa1e6890ccc48f84450%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fcimi.org.br%2F2025%2F03%2Frelatora-onu-assassinato-pataxo%2F

Lawlor esteve no Brasil em abril do ano passado e visitou terras indígenas na Bahia e Mato Grosso do Sul. O relatório, contendo as conclusões e recomendações da relatora, foi apresentado na 58⁠ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A sessão começou em fevereiro e segue até o dia 4 de abril.

Avá-Guarani (Paraná)

No sábado (22), na fronteira entre o Oeste do estado do Paraná e o Paraguai, um indígena Avá Guarani da  Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá foi encontrado morto e decapitado em uma estrada rural do município de Guaíra, próximo ao aeroporto. O seu corpo foi jogado na vegetação e sua cabeça pendurada em uma estaca feita de galho de mamona. Três indígenas da mesma etnia foram presos como suspeitos. O crime teria ocorrido devido a um desentendimento interno, mas aconteceu em um contexto de violência estrutural e exclusão social.

A aldeia está sobreposta por 165 fazendas e já teve seus 24 mil hectares identificados e delimitados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018. O processo demarcatório, entretanto, está parado por conta de uma ação impetrada pelas prefeituras de Guaíra–PR e Terra Roxa–PR e acatada pela Justiça Federal em primeira instância.  

O caso ocorreu dias antes da assinatura de um acordo entre o governo federal e a Itaipu Binacional, para a aquisição de 3 mil hectares de terras no oeste do Paraná. O objetivo é reparar danos causados à comunidade Avá Guarani durante a construção da Hidrelétrica de Itaipu. A Comissão Guarani Yvyrupa criticou a falta de uma verdadeira reparação histórica para o povo.

Desde julho de 2024, quando os indígenas retomaram parte de seu território, a violência escalou na região. Um acampamento de não indígenas foi montado próximo à retomada Yvy Okaju. Doze indígenas já foram alvejados. Entre eles, uma criança e um jovem. Os indígenas também relatam sofrer ameaças e boicote dos comércios locais, vivendo sob um cerco e, por vezes, passando fome.

Guarani-Kaiowá (Mato Grosso do Sul)

Em Dourados–MS, a retomada Pakurity voltou a ser palco de ataques no final de fevereiro. Indígenas Guarani Kaiowá e latifundiários entraram em confronto na área, situada na Fazenda São José, às margens da BR-463. Em vídeos divulgados pela organização indígena Aty Guasu, é possível ver disparos de rojões na direção do acampamento, além de correria e gritos.

Segundo a Aty Guasu, o conflito faz parte da disputa pela terra, onde setores ligados a interesses econômicos locais tentam impedir a demarcação e o reconhecimento dos direitos territoriais dos indígenas. Para evitar novas ocupações, produtores rurais e aliados montaram um acampamento a cerca de 150 metros da área reivindicada pelos indígenas, estratégia já utilizada em outros conflitos na região.

Nos últimos anos, o povo Guarani-Kaiowá tem sofrido perseguição, incluindo a destruição de casas de reza e assassinatos de lideranças espirituais. Desde 2020, ao menos 16 casas de reza foram incendiadas no estado, segundo o Cimi.

Diante da crescente violência, lideranças de 24 povos indígenas reuniram-se na TI Panambi – Lagoa Rica, entre 18 e 20 de março, para discutir estratégias de luta contra os retrocessos. A reunião resultou em um pacto de mobilização nacional em defesa dos territórios e dos direitos constitucionais indígenas.

 

Capa: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil.

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