Rio de Janeiro, 13 de julho de 2014 foi a data na qual o mundo olhava atento para o Estádio do Maracanã. Se a atenção estivesse voltada para pouco mais de um quilômetro de distância, para a Praça Saens Peña, veria que o mesmo Estado que realiza a festa do futebol passa por cima dos direitos da população: o direito à integridade física, o direito de ir e vir, o direito à livre manifestação, o direito de reunião e organização e o direito de liberdade de expressão. Os atos estavam marcados para 13h, mas desde às 10h o local já estava cercado pela Polícia Militar e pela Força Nacional de Segurança, que faziam parte de um efetivo de 26 mil agentes mobilizados para a data pelos governos federal, estadual e municipal, demonstrando que a única resposta dada aos protestos seria por meio de armas.
Os manifestantes se organizaram para seguir até o Maracanã por pautas importantes, como a tortura seguida de morte por agentes da PM do pedreiro Amarildo de Souza e a chacina da Maré, que completaram um ano, as remoções forçadas, as prisões no processo de criminalização das mobilizações populares e a desmilitazação do Estado. Entretanto, foram impedidos de sair do entorno da praça, sendo duramente reprimidos pela polícia, num cerco de quase quatro horas. Foram utilizadas bombas de efeito moral, granadas fumígenas, balas de borracha e spray de pimenta. Até mesmo a cavalaria apareceu, com policiais empunhando espadas de madeira, numa cena que não remonta apenas ao fascismo da ditadura, mas também ao racismo da época imperial.
Diversos manifestantes foram espancados e xingados por PM’s, a gritos como de “macaca”. Até faixas foram rasgadas por policiais, como a que diz “A polícia que reprime na avenida é a mesma que mata na favela”, da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. Midiativistas e jornalistas foram igualmente agredidos e seus equipamentos destruídos ou apreendidos. Pessoas foram perseguidas por policiais dentro da estação de metrô Saens Peña, inclusive mulheres com crianças e grávidas, antes desta ser fechada.
Foram contabilizadas 10 detenções. Advogados que tentavam saber informações sobre os detidos eram agredidos. Mesmo diante dos apelos insistentes ao comando da operação, não foi permitido a ninguém sair do cerco. A suspensão das leis que têm marcado a atuação dos agentes de Estado nas manifestações poderia adquirir contornos ainda mais absurdos.
O Estado de Exceção tem se tornado cada vez mais comum no Brasil. Desde os levantes populares em junho de 2013, há uma ação evidente de perseguição, violência e criminalização contra aqueles que vão às ruas se manifestar. Registros de agressões por parte de policiais se amontoam sem nenhuma resposta do Estado. Pessoas são detidas sem acusação e investigações são conduzidas na tentativa pífia de criar um ar de legalidade. No dia anterior a estes fatos 30 mandados de prisão foram expedidos contra contra professores, advogados, estudantes e militantes diversos de movimentos sociais explicitamente para intimidar e desmobilizar os protestos na final da Copa.
É importante também denunciar a própria forma como o Estado escolhe para justificar esses fatos. Por meio de coletivas de imprensa, campanhas e declarações públicas, são construídas narrativas nas quais tudo é justificado em nome de uma suposta segurança pública, seja contra o inimigo na favela ou o inimigo na manifestação. Para isso, conta com a conivência de grande parte da mídia, que utiliza termos como “confronto” para descrever ataques covardes.
Não se trata, assim, apenas de um debate sobre leis, mas sobre a forma como estruturamos nossa sociedade e para onde caminhamos, que vem apontando para uma militarização crescente do Estado e do cotidiano.
Repudiamos todas as violações cometidas pelo Estado em função dos megaeventos. Repudiamos a criminalização dos movimentos sociais. Lutar não é crime! Desmilitarização já! Pela liberdade imediata dos presos!