1. O tipo proposto inicialmente no projeto do Senador Armando Monteiro (“vandalismo”) pretende tipificar condutas já existentes no Código Penal, quais sejam, dano e incêndio, o que ocasionará confusão na interpretação e aplicação do ordenamento jurídico;
2. O tipo de “vandalismo” possui uma definição excessivamente ampla e de difícil interpretação, violando os princípios da segurança jurídica, da exigência de taxatividade e certeza da norma penal, acarretando o risco de aplicação excessivamente ampla do tipo penal;
3. Ao serem observadas as penas inerentes ao tipo é possível perceber violação do principio da proporcionalidade, já que comina em sua forma simples uma pena mínima de quatro anos de reclusão, enquanto a forma qualificada de dano prevista no código penal possui a pena máxima de três anos.
4. A obrigatoriedade de regime inicial fechado já foi declarada inconcstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de habeas corpus, por romper com o princípio da individualização da pena;
5. A aplicação das mesmas penas inerentes ao tipo, de 4 a 12 anos, para quem “idealiza, coordena, estimula a participação, convoca ou arregimenta participantes para fins de ato de vandalismo (…)”limita inconstitucionalmente a liberdade de expressão, elemento fundamental à garantia da democracia, já que abriria a possibilidade para que qualquer suposto ato de vandalismo fosse utilizado como justificativa para condenar eventuais organizadores informais de atos, em razão do forte uso de redes sociais como instrumento de convocação e ausência de uma gestão centralizada da organização dos atos. Além disso, estende desproporcionalmente a pena de uma conduta que já possui forma análoga no Código Penal, nas figuras de incitação ou apologia ao crime, cuja pena é de 3 a 6 meses de detenção, tornando-a ainda excessivamente gravosa.
6. No substitutivo proposto pelo Senador Pedro Tacques é previsto o agravamento da conduta em caso de dano, homicídio e lesão corporal, caso estes sejam realizados em manifestações quando se utiliza de “ máscaras, capacete ou qualquer outro utensílio ou expediente destinado a dificultar a identificação do agente”. Neste sentido, apontamos ser ônus do Estado identificar o agente e investigar a conduta criminal em um regime penal democrático, sendo violador da dignidade humana pretender que o inverso ocorra, ou seja, que o próprio agente sofra pena maior quando utiliza-se de instrumentos para proteger-se de atos de violência ou criminalização por parte dos agentes do Estado. Ademais, tal pode gerar
punições errôneas àqueles que as utilizaram para fins outros nos espaços públicos, mas que não cometeram ilícitos, transferindo o ônus da prova para este que se verá obrigado comprovar não ter utilizado a máscara para a prática de ilícito.
7. Ainda no escopo do substitutivo, aponta-se uma desproporcionalidade em qualificar o homicídio cometido durante manifestações. Aplicar a qualificadora de dobro da pena em casos de homicídio deve ser utilizado em situações suficientemente gravosas para caracterizar um desapreço especial ao bem jurídico da vida, como percebe-se nas demais
qualificadoras presentes no tipo, o que não pode ser inferido automaticamente em casos de encontros multidinários como pretende o substitutivo.
8. A proposta realizada no voto separado do Senador Acir Gurgacz visa criar a qualificadora de “dano de incêndio no serviço de transporte público coletivo de passageiros”, cuja pena seria reclusão de 8 a 12 anos. Tal tipificação já está contida nas causas de aumento de pena em caso de incêndio (artigo 250, §1º,II, a do Código Penal), cuja a pena, que na forma simples é de 3 a 6 anos, é aumentada em um terço caso ocorra contra transporte coletivo. Neste sentido, a criação de tal tipo dificulta a interpretação do ordenamento jurídico e ainda agrava a pena do tipo de forma desproporcional.
9. Buscar a criminalização específica de condutas ocorridas em manifestação gera risco excessivo a liberdade de manifestação no país, criando limitações à liberdade de reunião e expressão violatórias dos direitos humanos. Neste sentido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a ONU, através de suas relatorias especiais para liberdade de
expressão¹, já pontuaram que tal direto é essencial ao funcionamento do estado democrático.
10. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos também já se posicionou² afirmando que a aplicação de leis penais a manifestantes deve ser comprovadamente uma necessidade imperativa após avaliar se não há nenhum meio menos gravoso que o penal, tendo em vista que tal pode gerar a desmobilização de uma importante forma de luta social representando violação aos direitos a livre expressão e reunião. Neste sentido, mostra-se como a criação de tipos penas visando a criminalização especifica das manifestações representa uma violação aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil de respeito aos direitos humanos.