Começa, logo mais, no STF o julgamento do Marco Temporal, tese político-jurídica inconstitucional, defendida por ruralistas, mineradores, grileiros e outros perpetradores, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que, naquele momento, estivessem sob disputa física ou judicial comprovada. A tese não reconhece toda a violência, ódio e reiteradas violações sofridas pelos povos indígenas, que levaram à expulsão e ao deslocamento forçado de suas terras ancestrais. Desconsidera também que muitos povos foram impedidos de retornar aos seus territórios usurpados, pois, antes da Constituição de 1988, não tinham seus direitos territoriais reconhecidos pelo Estado brasileiro.
O STF analisará o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata da definição da situação jurídica das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena. O colegiado discutirá um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional. A terra em disputa é parte do território Ibirama-Laklanõ, vivem nela também povos Guaranis e Kaingangs. A decisão tem repercussão geral, isto é, terá consequências para todos os povos indígenas do Brasil. Servirá como uma diretriz para casos que tramitam no Judiciário.
A COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) alerta ainda que: os povos indígenas isolados, que não tiveram sua existência comprovada pelo Estado antes de 1988, também serão fortemente afetados, pois, seus territórios e recursos serão abertos para a exploração predatória.
Outra ação que tramita no STF e tem o Marco Temporal como objeto é a Ação Cível Originária 1100, que trata da anulação da demarcação da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ. A Justiça Global atua como amicus curiae. Em sustentação oral enviada, em junho, ao STF, a advogada Raphaela Lopes defendeu que a tese do Marco Temporal se opõe à Convenção Americana de Direitos Humanos e a jurisprudência firmada pela Corte Interamericana sobre a matéria. Não pode haver restrição temporal, se constatada a ocupação tradicional e a expulsão involuntária. Para a Corte, o direito das populações indígenas ao seu território antecede a declaração por parte do Estado.
A Justiça Global se soma às mobilizações contra o Marco Temporal, tese racista, antidemocrática e usurpadora de direitos. Marco Temporal Não!
Foto de capa: Eric Terena/APIB/Mídia Ninja.