Artigo de Isabel Lima e Natália Damazio, da Justiça Global
O tema da redução da maioridade penal retornou com força no debate público com a votação no Congresso Nacional da PEC 171/93, aprovada nesta semana na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Amplos setores da sociedade e organismos internacionais de direitos humanos têm manifestado preocupação e repúdio à proposta que representa grave ameaça aos direitos humanos dos jovens no Brasil. O discurso dos parlamentares favoráveis à redução tem sido marcado pelo obscurantismo e omissão de dados estatísticos de forma a manipular a flagrante ineficácia da medida na diminuição dos índices de violência no país.
Ilegal e inconstitucional, o texto da PEC poderia ser imediatamente enterrado pela jurisprudência internacional, por órgãos como as Relatorias Especiais de Crianças e Adolescentes da ONU e OEA (Organização dos Estados Americanos). O Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA já apontaram o retrocesso democrático que seria gerado pela redução da maioridade penal. Além dessa proposta, alimentada pelo medo e por discursos sensacionalistas e eleitoreiros sobre a violência, outros projetos que preveem o aumento do tempo de internação ´para adolescentes autores de ato infracional ou que criam novas razões para restringir a liberdade dos jovens, merecem atenção e repúdio, já que igualmente representam retrocessos nos direitos humanos e violam normativas nacionais e internacionais sobre justiça juvenil.
O endurecimento das leis e o encarceramento em massa da população têm sido apresentados por setores conservadores do poder público como o caminho para mudança no quadro da segurança. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, entre 2000 e 2014 a população prisional saltou de 233 mil para 567 mil presos, enquanto entre 2002 e 2012 houve aumento de 13,4% dos homicídios no país, de acordo com o Mapa da Violência de 2014. Dados que nos permitem afirmar que o recrudescimento da criminalização e o superencarceramento, marcados pelo racismo institucionalizado no país, não representam diminuição da violência e da insegurança. Punir sem enfrentar o que produz e mantém a violência só gera mais violência.
Além do desdém às leis e às estatísticas sobre segurança pública, os defensores da redução da maioridade penal parecem demonstrar profundo desconhecimento das violações que já acontecem nas unidades socioeducativas. Essas instituições têm reproduzido fielmente o falido modelo dos presídios para adultos. Apostam no caráter punitivo e repressivo, em detrimento de um trabalho efetivamente socioeducativo como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Tortura, homicídios, agressões físicas, tratamentos humilhantes, falta de atividades pedagógicas, precário acesso à saúde e insalubridade são a tônica nessas masmorras juvenis repletas de meninos e meninas que têm em comum trajetórias marcadas pela precariedade das políticas públicas e negação de direitos.
A Unidade Socioeducativa do Espírito Santo (UNIS), por exemplo, é alvo de medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos desde 2011, em virtude das sistemáticas violações de direitos. Tais medidas já foram renovadas sete vezes, demonstrando que a superlotação e os maus-tratos não são ocasionais, mas estruturais.
Ao contrário do que é veiculado massivamente, atos infracionais cometidos por adolescentes representam uma porcentagem ínfima no quadro geral da violência no País. A Secretaria Nacional de Segurança Pública aponta que atos infracionais praticados por adolescentes entre 16 e 18 anos – faixa etária alvo da proposta de redução da maioridade penal – representam 0,9% do total de crimes cometidos no Brasil, sendo que atos infracionais análogos aos crimes de homicídio e tentativa de homicídio representam apenas 0,5%. Por outro lado, segundo o Mapa da Violência, 30 mil jovens são assassinados por ano no país, dos quais 77% são negros. São, portanto, as maiores vítimas da violência, não os responsáveis pela atual conjuntura de segurança pública.
Os argumentos abundam e uma questão se impõe: o que motiva essa guerra contra os adolescentes e jovens pobres e negros? É fundamental, em oposição ao caminho atualmente traçado, que o poder público e sociedade se coloquem no rumo definitivo da defesa intransigente dos direitos e da dignidade humana de crianças e adolescentes. Uma mudança estrutural no quadro da violência passa pela compreensão da necessidade e urgência de se garantir a vida e a liberdade da juventude pobre e negra no Brasil.