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Carta aberta ao prefeito de Niterói, Axel Grael, contra a internação compulsória

Pedido a Axel Grael para se opor a questão da internação compulsória.

Excelentíssimo Sr. prefeito Axel Grael, criamos o movimento Diga NÃO à internação compulsória no contexto da tramitação na Câmara Municipal de Niterói de dois projetos de lei no sentido contrário. São iniciativas parlamentares, uma delas já aprovada em primeira discussão, para autorizar a Prefeitura a recolher pessoas em situação de rua a pretexto da sua suposta condição de saúde mental. Nosso movimento luta para impedir o avanço de tais projetos da extrema direita, demagógicos, racistas, violadores dos direitos humanos.

Participamos de audiência pública na Câmara na qual ficou patente, nas intervenções das autoridades e dos especialistas, a gravidade dos impactos da eventual aprovação de tais projetos para toda a sociedade e, em especial, para as 740 pessoas que vivem em situação de rua em Niterói, segundo a própria Prefeitura. A nossa vitória política na audiência não se traduziu, no entanto, na posição da maioria dos vereadores quando da votação, em junho, do PL da Internação “humanizada”.

Apenas as bancadas do PSOL, PT e PCdoB votaram contra o projeto. Para nossa surpresa e indignação, o próprio líder do governo, do PDT, votou a favor da internação compulsória. Nesse contexto, metade da bancada de quatro parlamentares do partido fundado por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, e hoje também do prefeito Axel, votou a favor dessa medida higienista. A outra metade se ausentou da votação.

Reivindicamos a Vossa Excelência, portanto, que dialogue com toda a sua base no Parlamento no sentido de rever a sua posição e assumir o compromisso de derrotar no voto, na segunda discussão, a proposta de internação compulsória.

Trata-se, afinal, da criação de uma brecha para a liberação de uma política de recolhimento arbitrário em massa da população em situação de rua. Vossa Excelência precisa impedir essa medida de caráter discriminatório e segregacionista dirigida a pessoas em condição de alta vulnerabilidade social. Essa política se chocaria com todas as recomendações, critérios e protocolos de atendimento da Rede de Atenção Psicossocial.
Nesse sentido, o Comitê da Campanha Diga NÃO à internação compulsória apresenta abaixo cinco motivos básicos para que a nossa cidade repudie essa política preconceituosa:

Ilegalidade – A internação compulsória só pode ser autorizada de forma excepcional, temporária e individual, em unidades de saúde e hospitais gerais, caso a pessoa cometa delito ou por determinação médica em grave crise de sofrimento mental ou uso problemático de drogas, que ameace a própria vida ou a de terceiros. Essa medida extrema só se aplica se esgotados todos os demais tratamentos de saúde mental disponíveis nas Clínicas de Família, Centros de Atenção Psicossocial ( CAPS) e Consultórios na Rua. A internação compulsória como política pública massiva fere o art. 5º, LIV, e art. 6º da Constituição Federal, a Lei nº 10.216/2001, que instituiu a Política Antimanicomial, contraria as resoluções nº 08/ 2019 e 40/ 2020 do Conselho Nacional de Direitos Humanos e diversas portarias do SUS, e se choca com decisão do STF na ADPF 976.

Discriminação – Instituir lei municipal de internação involuntária específica para pessoas em situação de rua e em extrema vulnerabilidade social é política higienista, que objetiva remover das ruas pessoas “indesejadas”. Trata-se de estratégia legislativa para tornar a população em situação de rua alvo de internação compulsória em massa. A lei federal 10.216/ 2001, que institui as internações involuntária e compulsória para qualquer cidadão, proíbe toda forma de discriminação quanto à raça, cor, recursos econômicos, dentre outros. Criar uma lei municipal para autorizar unicamente a internação da população em situação de rua é, portanto, desumano, excludente e ilegal. A internação compulsória estigmatiza e marginaliza ainda mais as pessoas que usam drogas, amplifica as vulnerabilidades e a exclusão social.

Ineficácia – Associar tratamento de usuário problemático de álcool e drogas a medidas coercitivas, contrárias à autonomia do paciente, tende a afastá-lo do tratamento, pois a medida é percebida não como de assistência à saúde, mas como punição, o que gera sentimento de injustiça, humilhação e desrespeito. Além disso, pesquisas demonstram que são altas as taxas de recaída logo nos primeiros dias após o fim de tratamentos compulsórios. Verifica-se então um alto custo econômico para os sistemas de saúde, sem resultados positivos ou sustentáveis a longo prazo. Não há CAPS suficientes em Niterói, que possui somente um CAPS AD III. As Clínicas de Família cobrem apenas 56% do território e carecem de profissionais. O Consultório na Rua tem estrutura precária e há falta de profissionais e de articulação com outros serviços. Também não há emergência psiquiátrica nos Hospitais Gerais da cidade. Com essa cobertura insuficiente, as pessoas com transtornos mentais e problemas relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas não criam referência de atendimento permanente, levando à agudização dos quadros clínicos e de sofrimento.

Demagogia – Os dois projetos que tramitam na Câmara de Vereadores de Niterói são inspirados em leis semelhantes aprovadas em municípios de Santa Catarina. A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública de Santa Catarina questionaram a lei aprovada em Florianópolis desde a tramitação. O Ministério Público anunciou a instauração de um inquérito civil para investigar a aprovação da lei e irá propor uma ação civil pública contra o município. O STF já se posicionou contra a remoção compulsória de pessoas em situação de rua. A avaliação de autoridades judiciárias é que Florianópolis sequer tem sido transparente na execução da lei. Há denúncias de muitas arbitrariedades em sua aplicação. Enquanto isso, Santa Catarina atingiu a marca de 22 prefeitos presos por corrupção desde 2022. Não é de se estranhar o esforço de muitos políticos em desviar a atenção da população para soluções falaciosas e autoritárias sobre temas complexos como população em situação de rua.

Alternativa – A opção mais adequada como resposta ao uso problemático de drogas é o fortalecimento de toda a rede de atenção psicossocial e a garantia de direitos de assistência social, das políticas de saúde, de alimentação, de habitação, de educação e trabalho para a população em situação de rua. O acesso a direitos básicos e ao tratamento voluntário é a estratégia que, segundo os cientistas, gera os melhores resultados. É necessária a imediata substituição do atual regime de intervenções violentas feitas por agentes públicos, com a rotineira retirada de pertences da população em situação de rua, com abrigos precários, insalubres e sem vagas, por um modelo que respeite os direitos e a dignidade de todo e qualquer ser humano.

Comitê Diga NÃO à internação compulsória

● Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME

● Aprimora – Associação da População de Rua para Incentivo e Motivação em Rede Aberta

● Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense – ADUFF-SSind

● Bem TV – Educação e Comunicação

● Centro de Pesquisas e Produção em Comunicação e Emergência da Universidade Federal Fluminense – EMERGE/UFF

● Coletivo Sementes da Democracia

● Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal Fluminense – DCE-UFF

● Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense

● Fórum Permanente sobre População Adulta em Situação de Rua do Rio de Janeiro

● Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro

● Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH

● Instituto de Psicologia da UFF

● Justiça Global

● Laboratório de Agenciamentos Cotidianos e Experiências – LACE/UFF

● Laboratório de Justiça, Ambientes, Cidades e Animais – LAJACA/UFF

● Núcleo Estadual do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial – NEMLA RJ

● Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares – NEPFE/UFF

● Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Serviço Social e Saúde (NUEPESS)

● Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos – NEPHU-UFF

● Núcleo Frei Tito de Direitos Humanos, Comunicação e Cultura

● Observatório de Adições Bruce K. Alexander

● Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Niterói

● Instituto de Saúde Coletiva da UFF