
Organizações e movimentos sociais lançam campanha por justiça climática no Rio de Janeiro e cobram mudança na legislação municipal
Campanha “Rio Capital do Caô Climático” denuncia que lei carioca sobre mudanças climáticas beneficia a maior poluidora da cidade em detrimento da saúde da população e pede revogação de parte da lei.

Nesta quinta-feira (5/9/2024), organizações e movimentos sociais lançam a campanha “Rio Capital do Caô Climático”, com uma ação pública no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, e ações nas redes sociais. A campanha denuncia que a Lei Municipal nº 5.248/2011, que instituiu a Política Municipal do Clima, criou uma zona de exclusão climática que está prejudicando a saúde da população e do planeta, por isso pede a revogação de seu Artigo 6º.
A população pode se juntar à campanha e pressionar o poder público a revogar o texto através do site www.riocaoclimatico.com.br.
No início do ano, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) já havia recomendado a revogação deste artigo, no relatório da Missão sobre violações de direitos humanos e emergência climática no estado do Rio de Janeiro, realizada entre fevereiro e março deste ano.
A Lei nº 5.248/2011 criou metas para a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE) no município, mas estabeleceu, em seu Artigo 6º, que as emissões provenientes das empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz, localizado na Zona Oeste, serão contabilizadas em separado, observando metas diferenciadas. Há 14 empresas atuando na área. Dentre elas, está a maior siderúrgica da América Latina, a Ternium Brasil (antiga TKCSA).
O relatório “Mudanças climáticas e siderurgia – Impactos locais e globais da Ternium Brasil”, publicado no ano passado pelo Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), revelou que, sozinha, a siderúrgica é responsável por mais de metade das emissões de GEE de todo o município, que tem mais de seis milhões de habitantes.
Os prejuízos socioambientais ficam para a população e o planeta, que estão adoecendo. Em relatório lançado na última quinta-feira (29), o Centre for Research on Energy and Clean (CREA) estimou que a poluição da siderúrgica tenha causado até 1.750 mortes em Santa Cruz, incluindo de crianças pequenas, menores de 5 anos, em função de condições como infecções respiratórias inferiores, doença pulmonar obstrutiva crônica, derrame, câncer de pulmão e diabetes.
De acordo com o relatório “Air quality impacts of the Ternium Brasil Santa Cruz steel plant”, o custo de toda a poluição causada pela Ternium pode chegar a até US$2,7 bilhões (ou R$13,2 bilhões). Este valor é maior que o orçamento anual do Rio de Janeiro para a educação, cultura e esportes juntos. Seria o suficiente para construir mais 6 terminais como o recém-inaugurado Terminal Intermodal Gentileza, que custou cerca de R$2 bilhões.
Os impactos da Ternium Brasil afetam mais diretamente a população de Santa Cruz, que é majoritariamente negra e empobrecida, mas não se restringem a ela. O relatório do CREA ainda revela que as emissões de GEE e de partículas provenientes da produção de aço da Ternium, que invadem as casas dos moradores e poluem o ar, estão avançando sobre outras regiões da cidade e ultrapassando até as fronteiras estaduais, chegando ao litoral norte de São Paulo.
Desde o início de sua construção, em 2006, a siderúrgica produz sistematicamente um conjunto de passivos ambientais e humanos. Diversas ações judiciais foram movidas contra a siderúrgica, por associações de pesca, moradores atingidos, Defensoria e Ministério Público. Dentre elas, há um conjunto de mais de 200 ações individuais, movidas por moradores, que pedem reparação por danos causados por episódios conhecidos como “chuva de prata” – quando há emissão severa de particulados na atmosfera –, enchentes provocadas pelo desvio do Canal São Fernando à época da construção da siderúrgica e rachaduras nas casas. As ações estão tramitando na Justiça há mais de 11 anos.
Sem medidas de reparação e prevenção a novos danos, a empresa mantém seu padrão produtivo poluidor. Os moradores continuam denunciando o adoecimento da população, a poluição atmosférica e a poluição sonora causada pela operação de trens de carga, buzinas e outros ruídos constantes, inclusive na madrugada. Além da histórica limitação do espaço destinado à pesca e a perda da qualidade do solo e da água, que afeta a oferta de pescado em uma região cujos moradores tradicionalmente sobrevivem da pesca.
Em audiência pública realizada em agosto para discutir a crise climática e a saúde na Zona Oeste do Rio de Janeiro, diversos moradores compartilharam seus relatos. “Em duas ou três horas de pesca a gente trazia quatro caixas de peixe. Agora não tem mais aquele peixe, que era um peixe saudável, porque não tinha a química da TKCSA [atual Ternium Brasil] caindo na água”, contou o pescador Jaci do Nascimento. “Então eu, um chefe de família, pescador, fiquei sem ter de onde tirar o sustento”, finalizou.
Na ocasião, o representante da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Mauricio de Andrade Travassos, reconheceu que “é duro ver que mais de uma década se passou e os problemas são os mesmos”. Em relação às ações que tramitam na Justiça, Travassos afirmou que “é uma morosidade que não se justifica”.
A coordenadora de projetos do Instituto Pacs, Ana Luisa Queiroz, defendeu que “por mais que a gente esteja dizendo e seja demonstrável que os efeitos negativos em relação à produção que acontece no Distrito Industrial de Santa Cruz seja dissipado por toda a cidade, é inegável que a distribuição desses impactos é desigual, então é importante que a gente reconheça que a cidade do Rio de Janeiro tem uma dívida com Santa Cruz”.

O Rio vai sediar o encontro da cúpula do G20 em novembro, quando as lideranças das maiores economias do mundo vão debater, dentre outros temas, a crise climática e as medidas necessárias para enfrentar esse problema, que é ao mesmo tempo local e global. A cidade está repleta de anúncios do “Rio Capital do G20”. Em nota divulgada à imprensa, a prefeitura afirmou que a prioridade é construir “um mundo justo e um planeta sustentável”. No entanto, na campanha “Rio Capital do Caô Climático”, os movimentos sociais denunciam que, na prática, a prefeitura está agindo na contramão deste ideal e beneficiando as maiores poluidoras da cidade, ao criar uma zona de exclusão climática da Zona Oeste do Rio de Janeiro, por meio do Artigo 6º da Lei nº 5.248/2011.
“Essa lei é vexatória”, avaliou o professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa Dias, na audiência pública realizada em agosto. Dias também é coordenador do grupo de trabalho (GT) Águas e Saneamento, da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (VPAAPS/Fiocruz) e membro do GT Saúde e Ambiente, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
“Os governos precisam assumir a sua responsabilidade. Esse parágrafo injustificável precisa ser imediatamente revisado e retirado, por uma questão muito simples: o direito à saúde, que é um preceito e está prescrito na Constituição Federal”, completou Dias.
Diversos movimentos e organizações sociais compõem a campanha, dentre eles o Instituto Pacs, Coletivo Martha Trindade, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, Fórum Popular da Natureza, Coalizão pelo Clima, Teia de Solidariedade da Zona Oeste e Justiça Global