Após seminário, organizações entregam carta a autoridades pedindo suspensão do Projeto Grão-Pará Maranhão

A declaração final de seminário realizado em São Luís-MA em junho sobre impactos do empreendimento foi endereçada a órgãos do governo brasileiro e da Alemanha.

Uma carta assinada por mais de 40 representações de comunidades tradicionais, movimentos sociais e organizações da sociedade civil alertou instituições governamentais federais e estaduais e também à Embaixada da Alemanha no Brasil sobre as ameaças aos direitos humanos e ambientais do projeto de construção de um porto sobre 87% da Ilha do Cajual e uma ferrovia de 520 km entre Alcântara e Açailândia, no estado maranhense. O projeto é da empresa Grão-Pará Maranhão (GPM), liderada por três empresários portugueses, com participação da empresa estatal alemã Deutsche Bahn.

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O documento, produzido conjuntamente durante o seminário Impactos do projeto Grão-Pará Maranhão: Terminal Portuário de Alcântara e Ferrovia EF-317, realizado em São Luís-MA em junho, foi enviado na semana passada aos órgãos: à Secretaria Geral da Presidência da República e aos ministérios da Igualdade Racial, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, dos Povos Indígenas; também ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária-Incra, além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas-Funai. 

A ferrovia, que atravessará 22 municípios do Maranhão, passará por terras indígenas, quilombolas e assentamentos da reforma agrária, podendo provocar expulsão de comunidades de seus territórios históricos. As alterações na vegetação e nos cursos d’água, além dos riscos de poluição do ar e da água, assoreamento dos rios e igarapés, rachaduras nas casas e aumento do risco de acidentes, como atropelamentos e mutilações que podem resultar em mortes, também preocupam as comunidades locais.

Um dos questionamentos é a falta de informações concretas por parte dos órgãos públicos sobre o empreendimento. “A ameaça não tem forma porque as únicas informações que chegam às comunidades são propagandas e bravatas. Nem o poder público, nem os responsáveis pelo projeto GPM, nos oito anos em que vêm cozinhando seus planos de tomar nossas terras, matas, mangues, rios e praias, em NENHUM MOMENTO nos procuraram para dizer o que pretendem. Escondem suas intenções, seus documentos e planos, e quando questionamos suas palavras, nos chamam de tolos e mal-intencionados”, diz o texto. 

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As organizações exigem o respeito à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, prevista pela Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a demarcação de territórios tradicionais. 

“Exigimos que, ao invés de nos ameaçar, o Governo Federal, por meio dos órgãos competentes, regularize e demarque os territórios indígena Taquaritiua e quilombolas de Alcântara e todos os demais pendentes da proteção constitucional do Estado”.

Acesse a declaração final. 

Projeto porto-ferroviário no Maranhão deve ser cancelado, exigem comunidades ameaçadas em seminário

Entre os dias 26 e 28 de junho de 2024, 91 pessoas se reuniram São Luís para discutir as ameaças aos povos, seus modos de vida, seus territórios e o meio ambiente diante do projeto da empresa Grão-Pará Maranhão (GPM). 

Organizado pela Articulação Anti-GPM, da qual a Justiça Global faz parte, o evento teve como objetivo ampliar o acesso às informações obtidas sobre o empreendimento, além de fomentar o debate e a mobilização em torno dos impactos. 

A atividade contou com a presença das organizações e movimentos:

  • Mabe – Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara–MA;
  • Momtra – Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara;
  • JnT – Justiça nos Trilhos;
  • Centro de formação Saberes Ka’apor;
  • CPT – Comissão Pastoral da Terra;
  • Cimi – Conselho Indigenista Missionário;
  • CPP – Comissão Pastoral dos Pescadores;
  • MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração;
  • AVs – Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale; Salve a Floresta; MoqBeq – Movimento Quilombola de Bequimão;
  • Moquibom – Movimento Quilombola do Maranhão;
  • MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra;
  • Fórum Carajás;
  • Confrem MA – Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas Marinhas e dos Povos Costeiros e Marinhos, Maranhão;
  • Uniquita – União das Associações de Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Município de Itapecuru Mirim–MA;
  • Fundação Rosa Luxemburgo;
  • e a Justiça Global. 

Foram apresentados levantamentos produzidos por pesquisadores ligados às Universidades Federal e Estadual do Maranhão (UFMA e UEMA), além de análises jurídicas sobre os direitos legais e constitucionais das comunidades e povos tradicionais, indígenas e quilombolas.

De acordo com Davi Pereira Júnior, quilombola e pesquisador-doutor do laboratório de Cartografia Social da UEMA, a ferrovia, cujo traçado foi analisado a partir de documentos da empresa e de dados do IBGE, atravessaria 22 municípios, dezenas de assentamentos de reforma agrária e os quilombos de Tanque de Valença, Aguiar e Viana, além de tangenciar as terras indígenas Araribóia, Caru a Rio Pindaré.

“Para termos uma ideia, a ferrovia cortaria quase todos os assentamentos do município de Buriti Cupu, por exemplo. Mas não é só isso. Até a década de 90, Alcântara vivia a base de geradores. Então para que o porto tenha energia para operar, obrigatoriamente terá que ser feito um novo linhão ao lado da ferrovia, o que vai duplicar os impactos”, disse.

Já o porto deve ocupar mais de 1.400 hectares do território quilombola da ilha do Cajual, o que inviabilizaria as atividades agrícolas e de pesca da população local. 

“Então não, GPM não é viável! A destruição das nossas existências não é aceitável! A violação de nossos direitos, das leis nacionais, da Constituição Federal e da Convenção 169 da OIT não será permitida”, destaca a declaração final do seminário.

O evento teve cobertura de veículos populares, como a Agência Tambor, e da mídia comercial do Maranhão.

Representantes de órgãos do sistema de justiça lembraram que todas as comunidades envolvidas têm direito à consulta prévia e alertaram sobre manobras no licenciamento ambiental

A empresa GPM, proponente do projeto, procurou a Associação de Moradores da Comunidade Negra Rural Quilombola de Vila Nova em 2017 para negociar um contrato de uso e usufruto desta área, prometendo em troca a construção de 51 moradias com água e luz, além de uma participação nos lucros do porto. Mas esse acordo não tem validade jurídica, explicou o procurador do Ministério Público Federal, Hilton Araújo de Melo, convidado para o seminário. 

Durante o evento, ele fez coro às afirmações do defensor público federal, Yuri Costa, de que qualquer projeto que possa afetar comunidades quilombolas, indígenas ou tradicionais tem que ser obrigatoriamente precedido por um processo de Consulta Prévia, Livre e Informada, conforme determina a Convenção no 169 da (OIT).

“Os moradores de Cajual procuraram recentemente o MPF para buscar mais informações sobre o projeto GPM e ficou claro que eles não têm o menor conhecimento sobre o empreendimento”, afirmou Hilton Melo. Ele avalia que a Consulta Previa não foi realizada no âmbito da assinatura do contrato da Associação com a empresa, e, juridicamente, nenhum documento firmado pelos representantes tem validade de renúncia de qualquer direito da comunidade. 

Ele explicou que não é apenas a população de Cajual que tem o direito de ser ouvida. “Todas as comunidades de Alcântara precisam ser consultadas conforme a Convenção 169 da OIT, porque estão na área de impacto direto do porto”. O mesmo se aplica aos quilombolas, indígenas e demais povos tradicionais ameaçados pela Ferrovia, explicaram os juristas. 

O MPF informou ainda em sua apresentação no seminário que, recentemente, a empresa comunicou que buscará o licenciamento do empreendimento junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão (Sema), e não mais pelo Ibama, que, até o final do ano passado, estava conduzindo o processo. 

De acordo com documentos aos quais a Articulação Anti-GPM teve acesso, em 2022 o Ibama produziu um Termo de Referência com os critérios para a realização do Estudo de Impactos Ambientais do porto e da ferrovia, considerando que o projeto precisaria de um licenciamento único. No final do ano de 2023, no entanto, a GPM pede o arquivamento do processo, sem maiores explicações.

Suspeitando deste procedimento, a Articulação Anti-GPM acionou a Defensoria Pública da União, que oficiou a SEMA, por sua vez, para que esta esclareça se há algum processo de licenciamento junto à Secretaria, o que foi confirmado pelo MPF. 

Assim, as informações do procurador Hilton Melo sobre a manifestação mais recente da GPM ao MPF confirmam que a empresa pretende licenciar o projeto na Sema. “Isso será objeto de análise do Ministério Público. O que posso dizer é que o levantamento sobre a área a ser avaliada no Estudo de Impacto e no direito à Consulta Prévia tem que ser da União. Vamos entender o que o empreendedor pretende licenciar e onde, para tomarmos medidas jurídicas cabíveis”, explicou.

Convidados confirmados, representantes do Ibama e do Incra estaduais não apareceram ao evento. 

Comunidades ameaçadas já lutam frente impactos de outros empreendimentos em seus territórios

A maioria dos participantes do encontro veio de comunidades que têm sofrido há décadas os impactos de outros dois grandes empreendimentos: o Centro Espacial de Alcântara, base de lançamento de satélites construída pela Aeronáutica sobre o território quilombola do município a partir de 1982, e a Estrada de Ferro Carajás, da mineradora Vale, que desde 1985 atravessa o estado entre Açailândia até São Luis. “O problema histórico em Alcântara é o conflito entre a base espacial militar e a população quilombola, que aguarda titulação de seus territórios desde a década de 80. A questão é tão grave que chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos”, explica o advogado Danilo Serejo, morador de Alcântara.

Já Genilson Guajajara, que vive na Terra Indígena Rio Pindaré, explica que a ferrovia Carajás, duplicada a partir de 2013 e que margeia o rio, tem impactos profundos sobre todo o modo de vida dos indígenas. “Nas manifestações culturais, como a Festa da Menina Moça, a gente utiliza vários animais, que também servem de medicina para nosso povo. Mas eles sentem o ambiente não saudável e vão embora.

Há dois anos, a água do rio Pindaré ficou vermelha e a comunidade tem vários problemas respiratórios. Alergias no corpo, crianças doentes… o rio que era lazer, hoje não podemos mais usufruir. Estamos vivendo coisas novas que não são boas. O povo Awá-Guajá também está sendo afetado. Eles são de contato menos recente (40 anos). As lideranças são ameaçadas, há exploração de madeira ilegal. Nossa luta era de arco e flecha, mas hoje é de ideias. Estar aqui é importante para somar na defesa do nosso território”.

Jadeylson Ferreira Moreira, pesquisador do Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) da UFMA, avalia que o Maranhão está vivendo um processo de expansão das cadeias da mineração e da produção de soja via MATOPIBA, e há uma forte pressão para que este ciclo seja acompanhado por novas estruturas de escoamento. 

Nesse sentido, o discurso oficial – do governo e das empresas – é de que a infraestrutura existente, como os portos de Itaqui, Alcoa e da Vale, em São Luís, estaria com capacidade quase esgotada, o que justificaria a construção de novas estruturas logísticas.

 “Novas estruturas logísticas, por outro lado, permitem a expansão das atividades predatórias do agronegócio e da mineração sobre os territórios tradicionais. É importante que as comunidades entendam que, a despeito de promessas de melhorias e empregos, que acompanham projetos como o GPM, os investimentos atendem a interesses externos e ao mercado internacional. Nem o porto, nem a ferrovia são para o povo maranhense”, diz o pesquisador.

Diante deste quadro, os participantes do seminário “Impactos do projeto Grão-Pará Maranhão: terminal portuário de Alcântara e Ferrovia EF-317” decidiram fortalecer a Articulação Anti-GPM e a luta de resistência ao projeto porto-ferroviário, exigindo seu imediato cancelamento. “Vamos reforçar a ação política junto às comunidades ameaçadas, e jurídica junto aos órgãos pertinentes. No que depender de nós, o projeto Grão-Pará Maranhão não vai se instalar no nosso estado”, afirma Mikaell Carvalho, coordenador da Associação Justiça nos Trilhos.

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