Entre os dias 13 e 15 de agosto deste ano, mais de 100 mulheres e homens do Brasil, Moçambique, Peru, Colômbia, Suíça, Canadá e Argentina estiveram reunidos no V Encontro Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale. Foi uma oportunidade para debater as experiências acumuladas, assim como para traçar estratégias no enfrentamento das violações cometidas pela mineradora Vale por todo o mundo.
O encontro ocorreu na cidade de Ouro Preto, no coração da região mais afetada pela mineração em Minas Gerais, o chamado Quadrilátero Ferrífero. Ele foi precedido por duas caravanas de atingidas e atingidos que percorreram territórios em Minas, Pará e Rio de Janeiro, conhecendo e documentando os crimes cometidos pela empresa. Do acúmulo das caravanas e do Encontro surgiram estratégias de resistência e metas que servirão de base para as ações da Articulação durante todo o próximo ano. Veja abaixo na carta política do Encontro:
Carta de Ouro Preto
Documento Político do V Encontro Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale
Minas Gerais, 13, 14 e 15 de agosto de 2015
Nós, comunidades tradicionais, movimentos socioambientais, sindicatos, organizações sociais do Brasil e do mundo, integrantes da Articulação Internacional das Atingidas e dos Atingidos pela Vale, nos reunimos em nosso V Encontro Internacional após percorrer em caravanas territórios afetados pela empresa no Pará, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Ao longo do percurso, testemunhamos casos de violações de direitos cometidos pela Vale. No Pará, visitamos a Terra Indígena Mãe Maria, onde o povo Akrãtikatêjê sofre com a violação ao seu direito territorial. Em Canaã dos Carajás, os Acampamentos Grotão do Mutum e Planalto Serra Dourada lutam pela devolução do território camponês apropriado pela Vale. Em Parauapebas, os trabalhadores da Vale são vítimas de práticas antisindicais, e de acidentes, mutilações e doenças associadas as precárias condições de trabalho. Por sua vez, os agricultores do assentamento Palmares se opõem ao modelo econômico imposto pela Vale na região. Em Marabá, as comunidades Alzira Mutran e KM 07 sofrem pelo desrespeito ao seu direito à moradia adequada. Em Minas Gerais, comunidades inteiras estão ameaçadas pela privação e contaminação de suas fontes de água pelo projeto da Vale na Serra da Gandarela. Por outo lado, as comunidades do Morro da Água Quente e Catas Altas, e Pires e Plataforma (Congonhas, MG), e Santa Cruz (Rio de Janeiro, RJ) já sentem os efeitos cotidianos da contaminação do ar e da água. A luta pela agua, aliás, une todos as atingidas e atingidos pela Vale. O testemunho dos representantes das comunidades atingidas de Piura e Cajamarca (Peru), Tete e Corredor de Nacala (Moçambique), Mendoza (Argentina), da Colômbia e do Canadá, presentes no encontro, confirmam que a Vale reproduz este mesmo padrão violador de direitos em outros estados brasileiros e ao redor do mundo.
Os Estados Nacionais dos países onde a Vale opera são cúmplices dessas violações cometidas pela empresa, em especial o Estado Brasileiro por deter ações da empresa e financiar com recursos públicos subsidiados do BNDES tais operações. A assinatura de convênios e acordos entre Estados e a Vale às custas dos direitos dos trabalhadores e das comunidades e o fomento aos grandes projetos de desenvolvimento econômico contribuem para a perpetuação das desigualdades sociais, como por exemplo no acesso à terra. O resultado é o sacrifício dos direitos conquistados, sob o pretexto da crise econômica. Repudiamos ainda as práticas de evasão fiscal, o desrespeito nos processos de licenciamento ambiental e, sobretudo, a criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos e lideranças em resistência.
Denunciamos a degradação das condições de trabalho e a piora permanente do nível de vida dos trabalhadores da Vale. Essa realidade, que mata, mutila e enlouquece milhares de trabalhadores anualmente, representa um ataque da Vale ao único meio que muitos destes trabalhadores têm para viver: a venda, cada vez mais depreciada, de sua força de trabalho. Os idosos, as mulheres, trabalhadoras e das comunidades, e as crianças são especialmente atingidas pela Vale: eles são a memória, o suporte e o futuro das nossas comunidades e lutas. O racismo ambiental é outra face da ação da Vale pois as populações negras e os povos indígenas sofrem de maneira desproporcional os impactos provocados nos territórios onde a empresa está presente. No terceiro aniversário do massacre de Marikana, na África do Sul, nos solidarizamos com os familiares dos trabalhadores da mineradora Lonmin e com os seus companheiros de trabalho.
Nós, comunidades tradicionais, movimentos socioambientais, sindicatos, organizações sociais, defendemos a vida; nos organizamos, nos informamos e formamos. Estamos atentos às constantes violações de direitos humanos e ao saque de recursos naturais praticados pela Vale. A empresa e os governos não querem que nos organizemos e buscam nos dividir para reinar. As políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade, a espionagem e a criminalização praticadas pela Vale pretendem desarticular a luta das comunidades e dos trabalhadores, almejam invisibilizar a luta, porém, unidos e solidários somos mais fortes. A crise da empresa não é uma crise real, mas apenas uma estratégia para maximizar seus lucros através da intensificação da jornada de trabalho dos trabalhadores e ampliação das suas operações, aumentando ainda mais os seus impactos. Não nos calaremos, porque o crescimento da Vale atenta contra os nossos direitos. Contra isso nos insurgimos.
Lutar não é crime! Exigimos nossos direitos!