A sessão foi realizada dentro da temática de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA) da CIDH e fez parte do 189º Período de Sessões da comissão.
Na última sexta-feira (1º), a Justiça Global, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) e outras onze organizações parceiras, além de um representante das Nações Unidas, participaram de uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre políticas de devida diligência e de controle sobre o impacto das empresas, principalmente as transnacionais, com legislações que protejam vítimas e territórios dos impactos causados por elas.
A audiência fez parte do 189º Período de Sessões da comissão e foi realizada dentro da temática de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA) da CIDH. A sessão foi presidida pelo comissionado e vice-presidente da CIDH (2022 – 2025), Carlos Bernal Pulido. Também teve participação do representante regional do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas para a América do Sul, Jan Jarab.
“As crises das mudanças climáticas, da poluição e da perda da biodiversidade são ameaças existenciais que estão afetando os direitos humanos. E diversos atores influenciaram essa crise tripla, através de atividades tais como a extração de combustíveis fósseis, a exploração em grande escala, o desmatamento desenfreado, a enorme produção de plásticos e o grande uso de agrotóxicos. Algumas empresas colocam em perigo o direito humano a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. E estão gerando conflitos sociais. Neste contexto, pessoas defensoras de direitos humanos da terra e território, especialmente povos indígenas, são frequentemente vítimas de violações”, declarou Jarab.
Foram feitas exposições sobre a situação do Brasil, do Peru, da Colômbia e do Chile. Jimena Reyes, representante da FIDH, defendeu instrumentos internacionais vinculantes (ou seja, obrigatórios) relacionados a direitos humanos e empresa. Tem uma terrível lacuna entre o impacto negativo da atuação das empresas sobre os direitos humanos, o meio ambiente e as mudanças climáticas e o caráter embrionário destas normas. A nível internacional, já são 10 anos de discussão de um tratado vinculante no âmbito nas Nações Unidas. E os países latino-americanos têm liderança-chave nessas negociações”, afirmou. Ela ainda lembrou que, desde 2017, países europeus como Holanda, França e Alemanha têm votado projetos de devida diligência de empresas transnacionais de avaliar e prevenir possíveis violações em toda a cadeia produtiva.
A coordenadora do programa de justiça socioambiental da Justiça Global, Melisanda Trentin, apresentou o cenário brasileiro das últimas décadas, marcado por uma política de desenvolvimento fundada no crescimento econômico, que evidencia e aprofunda as violações de direitos humanos e os danos ao meio ambiente relacionados à atividade empresarial. “Uma verdadeira corrida ao fundo do poço em nome de investimentos, muitas vezes estrangeiros, que leva à flexibilização e esvaziamento de normas e padrões de proteção de direitos”, afirmou.
Um dos exemplos é ação penal da mineradora canadense Belo Sun, em outubro de 2023, contra mais de 30 pessoas, a maioria agricultores e agricultoras, que reivindicam a anulação do acordo firmado em 2021, por meio do qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária cedeu terras públicas dentro de um projeto de assentamento no estado do Pará, à mineradora Belo Sun. Projetos de energia verde mais recentes, como de eólicas e de hidrogênio verde, destacando que muitas respostas reproduzem os mesmos padrões de violação de direitos humanos que culminaram na crise climática.
Mineradora Belo Sun tenta criminalizar defensores de direitos humanos na Volta Grande do Xingu
Proposta de lei brasileira institui obrigações para empresas
No Brasil, organizações e movimentos sociais têm defendido uma política pública para que os interesses privados não se sobreponham aos interesses coletivos. Um exemplo é o PL 572/22, que tramita desde 2022 no Congresso Nacional, e quer regular a relação entre direitos humanos e empresas. O projeto cria obrigações para estas e para o Estado, além de ampliar a participação popular no assunto.
Conheça a campanha “Essa terra tem lei – Direitos para os povos e obrigações para as empresas”.
“A proposta do PL 572 está elaborada a partir da primazia dos direitos humanos e da centralidade do sofrimento da vítima, abrangendo mecanismos de devida diligência e estendendo a responsabilidade solidária ao longo da cadeia produtiva, o que representa resposta a uma grave lacuna nas legislações relacionadas à matéria”, disse Melisanda Trentin na audiência, destacando que o projeto incorpora a perspectiva do Sul Global.
Por fim, a representante da Justiça Global defendeu durante a audiência, instrumentos internacionais vinculantes (ou seja, obrigatórios) relacionados a direitos humanos e empresa e a criação de mecanismos nos países que garantam a participação de pessoas atingidas nas decisões, com acesso à informação, o respeito à Consulta Prévia, Livre e Informada (a Convenção n.o 169 da Organização Internacional do Trabalho) e a garantia do direito à vida e ambientes seguro para pessoas defensoras, bem como o acesso à justiça e à reparação integral, além da garantia de não-repetição.
Participaram da audiência representantes das organizações: Centro de Información sobre Empresas y Derechos Humanos (CIEDH), Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (CEJIL), Colectivo de Abogados José Alvear Restrepo, Comisión Episcopal de Acción Social de la iglesia católica del Perú, Red peruana de Globalización con Equidad, Cooperaccion FEDEPAZ, Derechos Humanos sin Fronteras, Federación Internacional por los Derechos Humanos (FIDH), Justiça Global, Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), Observatorio Ciudadano e Perú Equidad.
Assista na íntegra:
O que é devida diligência?
Em poucas palavras, o dever de diligência trata dos processos de governança por meio dos quais as empresas podem identificar, prevenir, evitar ou minimizar e reparar riscos e impactos nos direitos humanos de suas atividades e operações. Desta maneira, é uma forma de garantir transparência e integridade. Vale destacar que o dever e a responsabilidade de respeitar os direitos humanos, de zelar pelo bem comum da sociedade e da coletividade em suas relações privadas, abrange todas as pessoas (físicas ou jurídicas).
Imagem da capa: Organizações manifestam-se na apresentação da declaração final do VII Fórum Regional sobre Empresas e Direitos Humanos, na Colômbia, em 2022. Crédito: Divulgação/Siembra.