O Ibama, órgão ambiental brasileiro, outorgou a licença de operação do projeto, ignorando as evidências de descumprimento das condicionantes para garantir a vida, a saúde e a integridade de indígenas e demais populações afetadas.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) outorgou nesta terça-feira a licença de operação da hidrelétrica de Belo Monte, que permite que o enchimento do reservatório seja iniciado. A autorização foi dada apesar do descumprimento de condicionantes para garantia da vida, saúde e integridade física das populações afetadas pelo projeto, as mesmas que foram consideradas essenciais pelo órgão em um informe técnico datado do último dia 22 de setembro. A decisão do Ibama sequer faz referência às condicionantes para proteger as comunidades indígenas.
“Não podemos acreditar. Tudo é um crime e uma grande responsabilidade do Governo e do Ibama ao conferir licença a este monstro. A presidenta do Ibama esteve em Altamira no dia 5 de novembro e recebeu muitas denúncias; todos – ribeirinhos, representantes indígenas, pescadores, integrantes de movimentos – falaram dos impactos que estamos vivendo, e agora dão a licença com ainda mais condicionantes, apenas para que não sejam cumpridos”, disse Antonia Melo, liderança do Movimento Xingu Vivo para Sempre, e desalojada pela represa.
No último dia 12 de novembro, em um ofício enviado ao Ibama, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) concluiu que as condições para a proteção dos povos indígenas afetados pela represa não haviam sido cumpridas plenamente. Ainda assim, ele deixou os caminhos abertos para que o órgão ambiental outorgasse a licença de operação, “caso julgasse pertinente”.
“A autorização viola claramente os compromissos internacionais do Brasil em matéria de direitos humanos, especialmente quanto aos povos indígenas afetados que vivem na bacia do Rio Xingu, que estão protegidos por medidas cautelares outorgadas em 2011 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e que o Estado Brasileiro segue sem cumprir”, disse María José Veramendi, advogada da Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (AIDA).
A licença permite o preenchimento de duas barragens da represa sobre o Rio Xingu, afluente do Rio Amazonas. Ela é válida por seis anos, e está sujeita ao cumprimento das condicionantes, o que será supervisionado através de informes semestrais. As condicionantes deveriam ter sido cumpridas antes da outorga da última licença a Belo Monte.
“O licenciamento ambiental é uma forma de mitigar os efeitos, controlar os danos e minimizar os riscos que o empreendimento implica para a população e o meio-ambiente. Ao desrespeitar e flexibilizar os procedimentos de licenciamento, o Estado deixa que os interesses econômicos prevaleçam e nega seu dever de zelar pelo interesse público”, salientou Raphaela Lopes, advogada da Justiça Global.
AIDA, Justiça Global e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos têm argumentado em âmbito nacional e internacional que não existem condições para que a hidrelétrica de Belo Monte obtenha permissão para operar. Ainda é necessário a garantia de aspectos essenciais, como fornecimento e disponibilidade de água potável, saneamento básico, serviços de saúde e outros direitos mínimos à população afetada e removida.
A luz verde para Belo Monte não poderia ter chegado em momento pior. Há poucos dias, em 05 de novembro, uma barragem de rejeitos de mineração da Samarco, empresa de propriedade da Vale e da BHP Billiton, se rompeu na cidade de Mariana, Minas Gerais, causando um dos maiores desastres ambientais do país. Uma inundação de lama e outros produtos químicos destruiu um povoado e deixou, até o momento, 12 mortos e 11 desaparecidos, afetando o abastecimento de água da região e destruindo a fauna e flora. O mar de lama chegou ao mar aberto. A licença de operação de uma das barragens da empresa estava vencida há dois anos.
Ainda assim, a permissão de operação para Belo Monte acontece a poucos dias do início da 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em Paris, a mais decisiva até agora. A operação de Belo Monte emitirá gases que causam efeito estufa, como dióxido de carbono e metano, agravando assim a mudança climática. A autorização para o funcionamento de Belo Monte é, portanto, uma péssima mensagem do governo brasileiro, que ignora seus compromissos com os direitos humanos e com a mudança climática, gerando com esse projeto um exemplo de como não se deve produzir energia no Século XXI.