A Caravana teve o lema “Sem reparação não há justiça!”.
Via Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale
Entre os dias 25 e 27 de novembro, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV) realizou em Brasília uma caravana de incidência política junto a ministérios e secretarias federais em busca de reparação e justiça às vítimas da mineradora.
Compuseram a caravana pessoas atingidas pela Vale em Brumadinho, Mariana e Itabira, em Minas Gerais, além de representantes de pessoas atingidas no Pará, Maranhão e Rio de Janeiro. Também participaram membros do Instituto Pacs, Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, Fase Pará, Justiça Global, Rede Igrejas e Mineração, Justiça nos Trilhos, Ibase e MAM.
Com o lema “Sem reparação não há justiça!”, a caravana já havia passado por Açailândia, no Maranhão, onde as pessoas participantes puderam conhecer os impactos da cadeia minero-siderúrgica na comunidade de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia, e a luta de suas moradoras e moradores pelo reassentamento em um local distante da poluição, destruição e violência das empresas.
O objetivo da caravana, tanto no Maranhão quanto em Brasília, foi permitir o aprofundamento do intercâmbio entre os atingidos e atingidas de várias partes do país onde a Vale atua, culminando em uma série de reuniões com distintos ministérios em Brasília, pautando uma ação governamental contra a Vale e pela proteção dos direitos humanos.
Ministério da Saúde: protocolo nacional com foco em atingidas pela mineração
No primeiro dia de atividades, os membros da caravana se dividiram em duas equipes para reuniões concomitantes nos Ministérios da Saúde e das Mulheres. No Ministério da Saúde, participaram de uma conversa com a Diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Agnes Soares da Silva, na Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA).
Integrantes da caravana apresentaram dados sobre o impacto à saúde mental de habitantes de comunidades que vivem assombradas pela iminência de rompimentos de barragens da Vale, como os que aconteceram em Brumadinho e Mariana. Foram apresentados também dados sobre impactos da poluição gerada pelas atividades minero-siderúrgicas, alto índice de suicídio em cidade minerada e impactos à saúde física e mental pela dependência econômica da mineração em cidades dominadas pela Vale em Minas Gerais, Maranhão e Pará.
Um dos pontos destacados no encontro foi a falta de políticas públicas de saúde específicas para lidar com os padecimentos físicos e psíquicos decorrentes das atividades de mineradoras e siderúrgicas. Diante desse quadro de omissão institucional, a caravana propôs a criação de um protocolo nacional de saúde junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) com foco em pessoas atingidas por barragens e mineração, tanto trabalhadores do setor quanto moradores e moradoras de regiões violadas pelas empresas. O protocolo, além de garantir assertividade na atenção básica à saúde, serviria também para a construção de uma base de dados nacional sobre saúde e impactos da mineração e siderurgia.
As demandas e sugestões apresentadas pelos membros da caravana foram inseridas no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Secretaria de Vigilância de Saúde e Ambiente, institucionalizando o processo e garantindo a continuidade e efetivação das tratativas.
Ministério das Mulheres: criação de GT e seminário em Minas Gerais
Na agenda no Ministério das Mulheres, foi a própria ministra Cida Gonçalves quem recebeu a comitiva destacada para essa agenda. As integrantes da caravana apresentaram recomendações relacionadas à salvaguarda dos direitos das mulheres, com destaque para os desdobramentos recentes da Comissão sobre a Situação da Mulher na ONU.
Foram abordados os impactos da mineração na vida das mulheres que vivem em comunidades quilombolas das regiões do Rio Doce, Brumadinho e Itabira, com destaque para a falta de apoio e cuidado direcionado às mulheres diretamente atingidas pela cadeia produtiva das mineradoras e siderúrgicas.
Uma proposta relevante apresentada foi a criação de um Grupo de Trabalho (GT) dedicado às mulheres, com o objetivo de analisar essas questões de forma mais aprofundada e estruturada. A ministra Cida Gonçalves ressaltou a necessidade de implementar um Plano Climático para Mulheres, destacando que a criação do GT está alinhada com o debate sobre o papel das mulheres no desenvolvimento sustentável do país.
A ministra ainda sugeriu a abertura de processos de escuta com sua presença em 2025, enfatizando que, já em 2024, será iniciado o processo de formação do GT. Este grupo será responsável por construir agendas e organizar um seminário sobre o tema em Minas Gerais.
No fim do primeiro dia, os dois grupos da caravana se encontraram para uma conversa com Kenarik Boujikian, Secretária Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da Secretaria-Geral da Presidência da República.
A secretária ouviu com atenção as denúncias sobre as práticas violadoras da Vale nos territórios, e também acolheu os pedidos de apoio da secretaria às agendas institucionais iniciadas naquele dia com os ministérios da Saúde e das Mulheres.
Kenarik Boujikian informou aos membros da caravana que a Secretaria poderia monitorar e apoiar as agendas com os ministérios tão logo elas começassem a ser implementadas.
Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos
No segundo dia da caravana, os participantes da atividade estiveram na sede do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania participando de audiência pública para a discussão do Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.
O plano é uma construção coletiva elaborado no âmbito do Grupo Técnico de Trabalho Sales Pimenta, constituído por representantes do governo federal e de organizações da sociedade civil.
Durante a audiência, duas representantes de territórios impactados pela Vale e um pesquisador do Ibase fizeram contribuições ao plano, apresentando sugestões à mesa coordenadora dos trabalhos. A participação de membros da caravana na audiência pública aconteceu por sugestão da secretária Kenarik Boujikian ao ouvir denúncias sobre as perseguições sofridas por defensoras e defensores de direitos humanos que se opõem a empresas da mineração e siderurgia.
Ao longo dos dias de agendas externas, a caravana da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale estendeu, diante do Palácio do Planalto e do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, uma grande bandeira com os nomes das 20 vítimas da mineradora em Mariana e das 272 vítimas em Brumadinho, como forma de homenagear essas pessoas e seus familiares, que seguem lutando por reparação e justiça.
Caderno de votos
Durante as reuniões de incidência em ministérios e secretarias, membros da Articulação entregaram às gestoras e gestores públicos o Caderno de Votos 2024 das Acionistas Críticas especialmente elaborado para a caravana.
A publicação compila os votos apresentados em 2024 durante a Assembleia Geral de Acionistas realizada pela Vale. Os votos são apresentados na íntegra, da maneira como foram expostos durante a assembleia, de maneira virtual, pelas acionistas críticas.
Uma acionista crítica é alguém que compra ações de uma empresa e utiliza seu direito de voz e voto durante as assembleias gerais anuais para denunciar aos demais acionistas as violações de direitos humanos e ambientais cometidos pela empresa. Durante a assembleia da Vale S.A., as acionistas críticas da AIAAV apresentam seus votos contrários às decisões corporativas que reforçam ou promovem crimes e violações.
Junto aos votos de 2024, também estão publicados um artigo sobre as crescentes ameaças a defensoras e defensores de direitos humanos no contexto pós-desastre-crime da Vale em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, além de duas cartas com denúncias de atingidos e atingidas pela Vale de Itabira–MG e da Baía de Sepetiba (RJ).
Baixe o caderno de votos aqui.
Histórias e práticas políticas em resistência à Vale S.A
Na programação interna da caravana, a Justiça Global e a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale lançaram o livro “Histórias e práticas políticas em resistência à Vale S.A.”, que documenta as lutas de resistência de comunidades impactadas pelas atividades da mineradora, revelando um cenário marcado por violações de direitos humanos, ambientais e sociais.
A obra, terceiro volume da Coleção Caminhos, da Justiça Global, foi escrita pelas pesquisadoras Marina Praça e Larissa Cabral, e reúne em seis capítulos relatos de lideranças e movimentos sociais que, ao longo dos últimos 15 anos, enfrentaram os efeitos destrutivos de um modelo de mineração que ameaça comunidades tradicionais e ecossistemas inteiros, tanto no Brasil quanto no exterior.
Faça download do livro aqui.