Consenso foi formado em audiência no Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (21) em resposta a quatro questionamentos à decisão de TJ-RJ favorável a governos do estado e município do Rio de Janeiro.
A Justiça Global participou de audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (21) na qual foi definido que os governos estadual e municipal do Rio de Janeiro não devem apreender crianças e adolescentes sem flagrante ou decisão judicial.
A discussão foi convocada mediante a apresentação de quatro reclamações (RCL) apresentadas à Corte – de números 64943, 64800, 64803 e 64807. A organização não-governamental é amicus curiae no questionamento apresentado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, ao lado do Instituto Alana e a Conectas Direitos Humanos. O relator é o ministro Cristiano Zanin.
Organizações contribuem em ação da DP-RJ contra a apreensão de adolescentes na Operação Verão.
O acordo reestabelece parcialmente uma decisão anterior de uma juíza de 1º grau, da Vara da Infância, Juventude e Idoso do Rio de Janeiro, Lysia Maria da Rocha Mesquita, que foi anulada pela presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) em um ponto essencial, salienta a diretora-adjunta da Justiça Global Daniela Fichino, que acompanhou a discussão in loco.
“Essa decisão é muito importante porque reforça que a apreensão de jovens sem flagrante é ilegal e, nós sabemos e existem pesquisas que documentam isso, que tem cunho racista, que implica na apreensão sobretudo de jovens negros de origem de favela ou periferias, dos quais muitas vezes se retira o direito ao lazer e o direito de ir e vir, que são abordados de forma absolutamente arbitrária, de formas racistas, não condizendo com aquilo que está exposto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e por aquilo que já foi objeto de decisão pelo próprio STF. Por isso, celebramos essa decisão de hoje”, avalia Fichino.
A decisão respondia ação civil pública, de autoria do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ), que determinava que o estado e o município se abstivessem de apreender e conduzir adolescentes a instituições de acolhimento, salvo em hipótese de flagrante de ato infracional, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, entre outras proibições. Segundo o MP-RJ, dos mais de 80 adolescentes encaminhados à central de acolhimento, em apenas um caso os agentes apresentaram motivo para a apreensão.
À época, o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro e a Defensoria Pública da União (DPU) pediram que a decisão fosse ampliada aos agentes da Força Nacional de Segurança, autorizados a atuarem no estado do Rio de Janeiro até 31 de janeiro de 2024.
As apreensões estavam no escopo na Operação Verão, de patrulhamento nas praias cariocas, anunciada em dezembro do ano passado. Contra a decisão, as autoridades estaduais e municipais argumentaram jovens em situação de vulnerabilidade não poderiam vagar pelas ruas “sem identificação e desacompanhados”. O desembargador e presidente do TJ-RJ, Ricardo Rodrigues Cardozo, alegou que estado e município não foram ouvidos previamente e que a decisão de primeira instância criava “risco de grave lesão à ordem administrativa e à segurança pública, além de comprometer a própria concretização do postulado da proteção integral de crianças e adolescentes”.
Mas argumentos foram derrubados na audiência no STF, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) citou o entendimento formado pelo STF em 2019 no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3446, que validou dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que impedem o recolhimento, pelo Estado, de crianças e adolescentes em situação de rua.
Ainda no último dezembro, a Corregedoria Nacional de Justiça chegou a abrir pedido de investigação contra a juíza da 1ª Vara da Infância. O pedido é assinado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão.
Plano de segurança para adolescentes em conflito com a lei
Ainda ficou definido na audiência que as gestões estaduais e o municipais em questão irão apresentar, no prazo de dois meses, um plano de Segurança Pública voltado para repressão de adolescentes em conflito com a lei, e também um plano de abordagem social. O protocolo, que deve ser apresentado e homologado em juízo em 60 dias prorrogáveis por mais 30, abrange as diversas outras obrigações citadas na decisão de 1º grau tanto para os agentes de segurança quanto para outros entes do Estado.
A Reclamação (RCL) é um instrumento jurídico que tem a finalidade de preservar a competência e autoridade das decisões que a Constitui atribui à jurisdição do Supremo Tribunal Federal (saiba mais).
Participaram da audiência representantes do estado e do município, do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), da Defensoria Pública estadual (DPE-RJ), da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Rio de Janeiro (OAB-RJ), dos deputados/as federais Chico Alencar, Glauber Braga, Pastor Henrique Vieira, Tarcísio Motta e Talíria Petrone, além das organizações Fórum Estadual da Criança e do Adolescente do RJ – representado pela Associação de Ex-Conselheiros e Conselheiras da Infância (AECI), Instituto Alana, a Coalizão pela Socioeducação, além da Justiça Global.
Foto da capa: Fábio Costa/Divulgação SEOP-Rio.