O trabalhador rural sem-terra da Paraíba foi visto pela última vez em 2002. Ele denunciava a violência no campo e a formação de milícias rurais.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos vai julgar denúncia contra o Brasil em relação à omissão do Estado diante das denúncias de desaparecimento forçado de Almir Muniz da Silva, trabalhador rural e defensor de direitos humanos no estado da Paraíba. A audiência pública será realizada na sexta-feira, 09 de fevereiro, na cidade de San José, na Costa Rica.
O julgamento será iniciado às 8h30 no horário da Costa Rica (11h30 no horário de Brasília) e terá a presença de uma delegação composta pelas testemunhas, os peritos e representantes da Justiça Global, da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba, da Dignitatis e da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz, que são as organizações peticionárias.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu a denúncia sobre o desaparecimento de Almir Muniz em setembro de 2009, ano em que o caso, após uma investigação deficiente, foi arquivado no Estado da Paraíba.
A audiência será transmitida, ao vivo, pelas redes sociais da Justiça Global assim como da Corte. Contemporaneamente, também será realizada uma mobilização online, por meio de um tuitaço (sob a hashtags #JustiçaParaAlmirEManoel), que será impulsionado pelas organizações peticionárias do caso.
Linha do tempo do caso
Almir Muniz da Silv tinha 40 anos, era trabalhador rural, casado e pai de três filhos. Além disso, também atuava como líder comunitário e era diretor da associação dos trabalhadores rurais da terra comunitária de Itabaiana, Paraíba.
2000 – Almir Muniz registrou uma ocorrência de ameaça na Delegacia de Itabaiana. Na ocasião, o trabalhador rural narrou com detalhes o ocorrido próximo à sua residência, na fazenda Mendonça. Contudo, nenhuma providência foi tomada pelas autoridades locais.
2001 – Engajado na luta pela terra, alertou a Assembleia Legislativa da Paraíba, durante a CPI da Violência no Campo, sobre casos de violência e a formação de milícias rurais, que contavam com o conhecimento e participação de agentes do Estado.
2002 – Almir Muniz foi visto pela última vez em uma estrada que atravessava as Fazendas Veneza e Tanques no município de Itabaiana. Após o desaparecimento, seus familiares registraram a ocorrência na delegacia de Itabaiana, onde trabalhava um dos policiais citados por Muniz em seu depoimento na CPI. No entanto, a denúncia não foi recebida naquele momento. Após insistência e intervenção dos familiares, o inquérito policial foi oficialmente instaurado na cidade de João Pessoa.
2009 – O caso foi arquivado e os parentes ficaram sem explicação. Diante da omissão das autoridades locais, a Justiça Global e as organizações como a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba, a Dignitatis e a Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz enviaram petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por violações cometidas por agente do Estado e omissão nas investigações.
Principais reivindicações
- Reparação integral aos familiares da vítima de forma material e imaterial através da implementação de medidas de reabilitação, compensação, satisfação e garantias de não repetição de forma imediata, compreensiva e abrangente, incluindo danos materiais e danos imateriais sofridos pelas vítimas;
- Medidas de reabilitação, como forma de reparar os danos físicos e psicológicos sofridos pelos familiares, o que se dá através da garantia de tratamento médico-psicológico individualizado por meio de profissional ou instituições especializadas na atenção a vítimas de violações como a ocorrida com Almir Muniz;
- Medidas de compensação por meio de indenização justa que abarquem os danos materiais e imateriais;
- Medidas de não repetição que incluam tipificar legislação interna brasileira o crime de desaparecimento forçado, conforme os instrumentos internacionais; fortalecimento do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos; e a realização de um diagnóstico da situação dos defensores dos direitos humanos no contexto dos conflitos no campo para identificar e eliminar os riscos que enfrentam.
Desaparecimento forçado
A falta de uma ação efetiva de investigação do Estado em relação ao desaparecimento de Almir Muniz reforça a necessidade de que o Brasil passe a tipificar o desaparecimento forçado como crime em sua legislação.
Atualmente no Brasil, há quase 36 anos após a redemocratização no país, o desaparecimento de pessoas sob a tutela das forças armadas continua a desafiar o Estado de direito. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, o país registrou 74.061 desaparecidos, uma média de 203 desaparecimentos diários.
Considerações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Antes que o caso fosse encaminhado à Corte IDH, a Comissão constatou que não houve uma versão oficial do Estado brasileiro sobre o ocorrido, uma vez que a investigação interna foi arquivada sem esclarecimento dos fatos ou punição dos responsáveis. Portanto, a CIDH concluiu que o que ocorreu com Almir Muniz da Silva trata-se de um desaparecimento forçado.
A Comissão observou ainda que o assassinato de um defensor dos direitos humanos e a consequente situação de impunidade tiveram um efeito intimidador sobre outras pessoas defensoras dos direitos humanos e do movimento dos trabalhadores rurais.