Estado brasileiro ainda precisa enfrentar problemas estruturais e violações sistemáticas de direitos humanos no sistema prisional.
Por Monique Cruz, coordenadora de programa da Justiça Global (Violência Institucional e Segurança Pública) e Wilma Melo, coordenadora do Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri).
Nesta quarta-feira (22), completaram–se dez anos desde que a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Brasil adotasse medidas efetivas para garantir a proteção da vida e da integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade no Complexo Prisional do Curado, no Recife (PE).
Em 2014, após o Estado brasileiro negligenciar no cumprimento das medidas cautelares, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) enviou solicitação de medidas provisórias à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Naquele momento, o cenário era de graves violações de direitos humanos com inúmeros casos de espancamentos, choques elétricos, uso de cães para morder ou provocar feridas, ameaças de morte, tentativas de homicídio por meio de armas brancas e punhais, uso indiscriminado de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo por parte de agentes penitenciários, uso de ‘chaveiros’ para controle dos presos, violência sexual contra as pessoas privadas de liberdade e mortes.
As medidas provisórias foram fundamentais para a mitigação das violações. Nas resoluções, a Corte Interamericana proibiu ingressos de novos presos e determinou a contagem da pena em dobro das pessoas encarceradas no Curado como forma de combater a superlotação. No entanto, uma série de outras urgências estruturais permanecem sem solução até hoje, como as más condições e pouca assistência à saúde e inclusive a falta de transparência do Estado sobre a implementação das medidas ou de respostas concretas sobre mortes registradas por supostas causas naturais.
A persistência dos problemas evidencia a falta de políticas eficazes de enfrentamento ao encarceramento em massa e às péssimas condições das prisões no Brasil, como vem apontando a Justiça Global e o Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri), peticionária das medidas.
Recentemente, o STF próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o estado de coisas inconstitucional que marca as prisões no país, dada a massiva violação de direitos fundamentais e o quadro generalizado de tortura, maus-tratos, desassistência e condições desumanas e degradantes de uma população, que vale demarcar, que é majoritariamente negra (no Curado, são 90% dos detidos, conforme dados oficiais).
A situação crônica de superlotação e desumanização das cadeias brasileiras precisa urgentemente ter um fim. É urgente que o Estado brasileiro adote medidas eficazes que, além de mitigar as violações do cárcere, fortaleçam as políticas de prevenção e combate à tortura e resultem na reversão do encarceramento em massa e na redução imediata de pessoas privadas de liberdade no Brasil.