A missão emergencial acontece entre os dias 07 e 09 de outubro e abordará intimidação sofrida por moradores de ocupações de moradia e perseguição e prisão de lideranças de movimentos sociais
Nesta segunda-feira (07/10), a Plataforma de Direitos Dhesca Brasil – articulação nacional de organizações, movimentos sociais e redes de direitos humanos, do qual a Justiça Global – inicia uma série de visitas e momentos de escuta a moradoras e moradores de ocupações de São Paulo, autoridades públicas e lideranças sem-teto a fim de investigar o processo de criminalização de movimentos de moradia na cidade de São Paulo. A agenda da missão emergencial começa no dia 07 de outubro, Dia Mundial do Habitat, com participação na Marcha Mundial dos Sem Teto, e se encerra com uma Audiência Pública, no dia 09 (quarta-feira), na Defensoria Pública.
A Missão Emergencial da Relatoria Nacional de Direitos Humanos sobre Criminalização de Movimentos de Moradia na Cidade de São Paulo surge da denúncia dos movimentos de luta por moradia sobre a perseguição e a intimidação que vêm sofrendo tanto pelo sistema de justiça como pelas polícias civil e militar. O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) entende que a criminalização dos movimentos sociais se insere em um contexto de violência política.
“[As lideranças] têm sido mantidas presas em uma prisão sem a robustez, sem a força que se requer de uma decisão judicial capaz de cercear a liberdade de uma pessoa. No estado democrático de direito, a regra é preservar a presunção da inocência, garantir a ampla defesa do contraditório e, em último caso, uma prisão quando ela se torna indispensável para a produção das provas. Identificamos decisões tomadas antes de qualquer apuração, uma atuação comprometida em buscar a culpabilização dos líderes de qualquer forma, uma intencionalidade política, e, não jurídica. Tudo isso nos leva a afirmar que trata-se de um processo político e não jurídico.” analisa Dimitri Sales, advogado, presidente do CONDEPE.
Em uma conjuntura de perseguição política e violações de direitos garantidos constitucionalmente, a Relatoria de Direitos Humanos investigará o caso visando repercussão nas instâncias nacionais e internacionais de justiça e de direitos humanos. “Estamos desamparados, e, muitas vezes, encontramos pelo nosso caminho de luta, integrantes do sistema de justiça que interpretam a lei de uma forma contraditória. Por essa razão, a relatoria da Plataforma Dhesca é importante, fazendo as missões, audiências, e documentos, pois, consegue chegar aonde, muitas vezes, não alcançamos, defendendo os nossos direitos e cobrando os responsáveis dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.” afirma Ivaneti de Araújo do Movimento de Moradia na Luta por Justiça – MMLJ.
A Relatora Nacional de Direitos Humanos Lúcia Moraes irá conduzir a missão na cidade de São Paulo e salienta a urgência de um olhar atento sobre o caso. “A missão emergencial da Relatoria DHESCA visa propiciar maior visibilidade e encaminhamentos de propostas que possam equacionar o problema em curto prazo”, afirma. A missão de investigação será acompanhada pelos Relatores Nacionais de Direitos Humanos Denise Carreira e Nelson Saule.
A Relatoria da Missão Emergencial sobre Criminalização de Movimentos de Moradia na Cidade de São Paulo realizará no último dia da missão uma audiência pública na Defensoria Pública, promovida em conjunto com o CONDEPE, para ouvir moradores de ocupações, movimentos sociais, pesquisadoras(es), autoridades públicas, entre outros atores. A audiência acontece dia 09 de outubro, das 09h às 12h, no Auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Rua Boa Vista, 200, Centro de São Paulo).
Prisões de Lideranças: a denúncia recebida pela Plataforma DHESCA
No dia 24 de junho de 2019, quatro lideranças de diferentes movimentos de moradia foram presas — Angélica Lima, Edinalva Silva Ferreira, Janice Ferreira da Silva e Sidney Ferreira da Silva — e outras cerca de 15 pessoas tiveram mandado de prisão decretado ou foram alvo de mandados de busca e apreensão. Lideranças de movimentos organizados de moradia denunciam, ainda, que vem sofrendo ameaças da polícia militar bem como tiveram suas casas invadidas.
As prisões que, a princípio, eram temporárias se tornaram preventivas. Já são mais de 70 dias de encarceramento com base em um processo que, segundo carta do Comitê em Defesa dos Movimentos Populares, “revela imenso desconhecimento dos fatos, informações tendenciosas e confusão. Nem os acusados, nem seus defensores foram ouvidos”.
Os advogados de defesa não encontraram nenhum motivo ou prova para essa operação, tendo em vista que se fundamenta em declarações frágeis para as referidas prisões e conduções coercitivas. À época das prisões, foi alegado que o inquérito do caso tem como base denúncias anônimas de moradores das ocupações, além de interceptações telefônicas. Porém, entidades afirmam que as mesmas denúncias foram utilizadas em outro caso, do qual Carmen Ferreira, liderança da Frente de Luta por Moradia, foi inocentada, em 2018.
O que são as relatorias de direitos humanos?
Inspirada nos Relatores Especiais da ONU, a Plataforma DHESCA criou em 2002 as Relatorias de Direitos Humanos. Desde então, mais de cem missões foram realizadas denunciando nacionalmente e internacionalmente violações de direitos humanos, apresentando recomendações ao Estado para garantir a dignidade e proteção das pessoas em situação de violação de direitos e influenciando legislações e o desenho de políticas públicas no país.
As Relatorias têm por objetivo contribuir com a adoção, pelo Brasil, de um padrão de respeito aos direitos humanos, tendo por fundamento a Constituição Federal, o Plano Nacional de Direitos Humanos, os tratados e as convenções e os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil e as recomendações dos/as Relatores/as da ONU e do Comitê Dhesca.
A função de Relator(a) não é remunerada e é exercida por pessoas com grande reconhecimento no campo em que atuam, responsáveis por liderar investigações independentes sobre violações. Desde 2002, as Relatoras e os Relatores são eleitos por meio de um edital público, coordenado por um Comitê Interinstitucional composto por agências da ONU, Ministério Público Federal, Conselho Nacional de Direitos Humanos, órgãos nacionais de direitos humanos e redes de sociedade civil. Atualmente, a Plataforma DHESCA conta com um grupo de quinze relatoras e relatores nacionais de direitos humanos.
As violações ao Direito Humano à Moradia na cidade de São Paulo já foram objeto de outras missões da Plataforma Dhesca. No ano de 2006, a relatora Lúcia Moraes esteve em missão para averiguar o processo de “higienização” do centro de São Paulo e o fim de programas de habitação popular. Em 2009, o relator de direitos humanos Orlando Santos Jr. investigou denúncias de despejos e remoções em comunidades de baixa renda. Em 2017, os Relatores Leandro Gorsdorf e Denise Carreira realizaram missão de investigação sobre o aumento da população em situação de rua e a situação das ocupações de moradia como parte da Missão Nacional sobre os Impactos das Políticas de Austeridade nos Direitos Humanos.
Conheça nossos relatórios:
Relatório Impacto da Política Econômica de Austeridade nos Direitos Humanos (2017)
Relatório Despejos e Remoções em Comunidades de Baixa Renda (2009)
Relatório Remoções do Centro de São Paulo e Fim de Programas de Habitação Popular (2006)
Relatório sobre os Impactos da Política Econômica de Austeridade nos Direitos Humanos: http://austeridade.plataformadh.org.br/
Para acessar o acervo completo de Relatórios da Plataforma Dhesca Brasil, clique aqui!
Relatores nacionais que atuarão na missão emergencial
Lúcia Morais (Relatora Líder da Missão): Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo (FAU/USP 2003). Atualmente é professora Adjunto I e orientadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Senso em Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Planejamento Territorial e do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi professora convidada da Universidade Estadual de Goiás e da Uni-EVANGÉLICA de Anápolis – Goiás e Advisor UNhabitat.
Nelson Saule Jr (Relator Associado): possui doutorado e mestrado em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003). É professor de direito do curso de graduação e de direito urbanístico no programa de direito da pós-graduação . É também Coordenador da Área Direito à Cidade do Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, Coordenador de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico-IBDU, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e Coordenador da Revista Magister Direito Ambiental e Urbano.
Denise Carreira (Relatora Associada): é mestre e doutora em educação pela Universidade de São Paulo. Educadora popular feminista, é professora de políticas educacionais, coordenadora institucional da organização Ação Educativa e integrante da coordenação da Plataforma DHESCA. Foi coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e coordenadora nacional do Relatório sobre os Impactos da Política Econômica de Austeridade nos Direitos Humanos (Plataforma DHESCA, 2017) É defensora do direito à educação de meninas e mulheres da Rede Internacional Gulmakai, a convite de Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz.