O encontro ocorreu em Genebra, em paralelo ao 13º Fórum de Empresas e Direitos Humanos da ONU, na última semana de novembro.
Mais de 50 participantes compareceram ao evento Complexos logísticos: impactos e violações de direitos para povos e comunidades tradicionais da América Latina, atividade paralela e autônoma ao 13º Fórum da ONU de Empresas e Direitos Humanos, e que reuniu lideranças do Brasil, da Colômbia, da Bolívia e de outros países da região para discutir estratégias de responsabilização de empresas violadoras de direitos humanos.
A atividade, realizada em 25 de novembro, foi promovida pela Justiça Global em parceria com organizações como a Cáritas Brasileira Regional Norte 2 e Nordeste 3, Justiça nos Trilhos, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), Fundação Rosa Luxemburgo, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), KoBra-Kooperation Brasilien, FDCL Berlin, Rettet den Regenwald e o Salve a Floresta.
Impactos nos territórios
O objetivo central foi debater as estratégias usadas por empresas na implementação de complexos logísticos voltados para exportação, especialmente de produtos do agronegócio e da mineração. Essas iniciativas frequentemente resultam em violações sistemáticas de direitos, ameaçando a existência de comunidades tradicionais e indígenas.
“Queremos evidenciar que não se tratam de casos isolados, mas de um padrão recorrente em toda a América Latina. É urgente garantir os direitos dos povos tradicionais, especialmente em relação à terra, ao território e à Consulta Prévia, Livre e Informada”, afirmou Melisanda Trentin, uma das organizadoras.
Denúncias de violações e estratégias de resistência
Representantes de seis comunidades expuseram os impactos desses empreendimentos e denunciaram práticas como:
- Falta de transparência e consulta prévia;
- Criminalização e ameaças a lideranças;
- Cooptação de representantes locais;
- Destruição de laços comunitários e manipulação legal.
Dorinete Serejo, quilombola e coordenadora do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE), de Alcântara–MA, destacou os riscos do projeto Grão-Pará Maranhão (GPM), que prevê a construção de um porto de águas profundas e uma ferrovia de 500 km em território quilombola, abrangendo 22 municípios no Maranhão. O empreendimento, voltado à exportação de grãos e minérios, ameaça comunidades que integram a Amazônia Legal brasileira.
“A luta pela preservação dos nossos territórios não é apenas pela terra, mas pela vida, pela cultura e pela dignidade dos nossos povos”, reforçou Dorinete.
O evento destacou a necessidade de ação conjunta e de articulação internacional para responsabilizar empresas e proteger os direitos das comunidades afetadas.
Confira um resumo dos casos apresentados:
Casos:
1- O projeto Grão Pará Maranhão (GPM) prevê a construção de um porto e de uma estrada de ferro no estado do Maranhão, em região que integra a Amazônia Legal brasileira. O Porto pretende ocupar uma área de 1,400 hectares na Ilha do Cajual, município de Alcântara/MA, ocupada tradicionalmente por descendentes de pessoas escravizadas, conhecidas no Brasil como Quilombolas. Além de usurpar quase 87% do território quilombola, o projeto de porto está situado no coração de uma Área RAMSAR de Preservação Permanente – APA das Reentrâncias Maranhenses –, coberta de matas e manguezais. Já o projeto da ferrovia prevê a construção de 520 quilômetros de trilhos entre Alcântara e Açailândia, e atravessará pelo menos 21 municípios, duas áreas quilombolas e 16 assentamentos de reforma agrária, além de tangenciar seis terras indígenas, das quais quatro têm presença oficialmente de indígenas em isolamento voluntário. Também impactará severamente a APA das Reentrâncias Maranhenses.
2- O projeto de instalação de um Terminal de Uso Privado (TUP) da empresa Cargill faz parte de um complexo logístico que visa à exportação de grãos e minérios no estado do Pará, no Brasil. Ele está localizado nas Ilhas do município de Abaetetuba, território de povos e comunidades tradicionais, onde a empresa conseguiu adquirir o terreno. O processo de implementação de um grande porto neste local tem trazido inúmeros impactos socioambientais e violações de direitos, os quais tendem a se agravar, como: à soberania alimentar; à segurança; ao direito à água; ao direito à mobilidade; à autonomia territorial; ao direito à terra e ao território; e ao Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada, inclusive ameaçando modo de vida das comunidades, principais guardiãs da Natureza.
3- No Alto Sertão da Bahia, Brasil, foi instalado o projeto de mineração Mina Pedra de Ferro da empresa Bahia Mineração (BAMIN), que compõe um complexo logístico formado por ferrovia, mina e porto, visando à exportação de grãos e minérios. Para a sua instalação, duas comunidades tradicionais foram removidas de seus territórios e hoje enfrentam uma situação de extrema vulnerabilidade, sem haver o cumprimento das condicionantes previstas. Ademais, outras comunidades da região estão sofrendo com diversos problemas e violações causados pelo empreendimento, como: impactos à saúde física e mental; contaminação da água, do ar e do solo; impactos à produção da agricultura familiar; ameaça à sua soberania alimentar; violação do direito à moradia; violação do direito à reparação justa e integral; violação ao Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada; e a ameaça à preservação de seus modos de vida tradicionais.
4- No município de Autazes, próxima à foz do rio Madeira, a Terra Indígena Soares-Urucurituba, do povo Mura e ainda sem demarcação, possui um projeto da empresa multinacional Potássio do Brasil de exploração mineral de Silvinita de Potássio. O projeto vem causando divisões entre o povo indígena, ameaças às lideranças contrárias, e pressão da sociedade não indígena envolvente, além de um processo conturbado e judicializado de consulta. O caso Mura apresenta a importância de regulações efetivas e vinculantes na responsabilização de corporações multinacionais frente aos Direitos Humanos, em especial em projetos envolvendo mineração.
5- Caquetá é um dos trinta e dois Departamentos que formam a República da Colômbia. Sua capital é Florencia. Está localizado ao sul do país, na região amazônica. O piemonte Caqueteño se transformou em uma área de expansão da pecuária em permanente crescimento, produto da atividade do colono que derrubava montanhas para convertê-las em pastagens para a criação de gado. O município, como outros localizados dentro do departamento, está enfrentando as diversas causas do desmatamento, como pecuária extensiva, a apropriação de terras e, em menor escala, os cultivos ilícitos. A Amazônia colombiana segue perdendo a sua cobertura florestal. Caso se continue com estas ações, calcula-se que para o ano de 2040, haverá uma perda de 30% da floresta amazônica colombiana.
6- Na Chiquitania boliviana, enfrenta-se uma série de problemas ambientais e sociais que ameaçam a sua riqueza natural e cultural. Um dos principais focos de conflito se encontra na região de Roboré, onde a apropriação de terras e os assentamentos humanos ilegais em Tucabaca têm gerado tensões e deterioração do equilíbrio ecológico. A falta de regulação e controle efetivo têm permitido que grupos de pessoas invadam e ocupem áreas protegidas. Os territórios estão sendo concessionados pelo próprio Estado, por meio do INRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária). Esta região tem sido afetada por diversos problemas, entre eles temos a expansão de atividades mineiras que ameaça a integridade dos ecossistemas locais e a qualidade da água, as concessões florestais, a derrubada indiscriminada de árvores e a transformação de vastas áreas de floresta em terrenos para a agricultura e criação de gado. Estas práticas irresponsáveis não somente colocam em perigo a biodiversidade da região, mas também o modo de vida das comunidades indígenas e camponesas que dependem dos recursos naturais para o seu sustento.