Justiça Global destaca PL brasileiro no Fórum Regional da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos

Evento ocorreu em São Paulo–SP entre 9 e 11 de abril. O MPF sediou eventos paralelos oficiais.

A Justiça Global participou nesta semana de uma série de atividades durante o IX Fórum Regional das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, que ocorreu entre 9 e 11 de abril em São Paulo–SP. O evento anual discute a perspectiva da América Latina e o Caribe sobre o papel dos Estados e das empresas na proteção e respeito aos direitos humanos. O Fórum é organizado pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

“A enorme desigualdade social, os numerosos conflitos socioambientais e violacoes de direitos humanos relacionados à atividade empresarial, a violência e discriminação contra comunidades tradicionais, povos indígenas e afrodescendentes, além de ataques contra defensores/as de direitos humanos” são os principais desafios sistêmicos e estruturais na América Latina e no Caribe elencados na carta conceitual da edição. 

Realizado na PUC-SP, o evento reuniu representantes de diversos setores, como governos, empresas, sindicatos, organizações da sociedade civil, povos indígenas e comunidades afrodescendentes e rurais, profissionais do direito, investidores, organizações internacionais e regionais, pesquisadores, entre outros.

Neste ano, o evento focou em explorar tendências relacionadas entre a devida diligência em direitos humanos e temas como: experiências práticas de Estados e empresas; a tripla crise climática e soluções baseadas no respeito pela natureza; direitos dos povos indígenas e das comunidades afrodescendentes; proteção de defensores/as de direitos humanos e da natureza; inovação e soluções colaborativas de natureza multissetorial; práticas empresariais baseadas em evidências; responsabilidade jurídica das empresas; ecossistema de acesso à reparação; sistemas de responsabilização e referências; normas e guias setoriais; perspectiva de gênero e interseccionalidade na devida diligência.

Enquanto alguns países têm adotado leis que tornam obrigatória a devida diligência para regular a responsabilidade das empresas em relação aos direitos humanos, em outros, a sociedade civil tem buscado mecanismos mais concentrados no dever das corporações de respeitar os direitos humanos, buscando destacar a responsabilidade legal das empresas. 

Assista às gravações do encontro: 

09/04 – manhã: https://youtube.com/live/BDhi7UbYuRs
09/04 – tarde: https://youtube.com/live/218a28Zn5EQ
10/04 – manhã: https://youtube.com/live/-GZ-aLbwDsQ
10/04 – tarde: https://youtube.com/live/LSdYLGOlUZQ
11/04 – manhã: https://youtube.com/live/70Cg9EPxhI0 

Projeto de lei da sociedade civil brasileira tem direitos humanos no centro e responde à insuficiência de acordos voluntários, defende Justiça Global

Na programação principal, a coordenadora de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, Melisanda Trentin, apresentou o projeto de lei brasileiro sobre o tema elaborado com ampla participação da sociedade civil, à mesa sobre marcos jurídicos na América Latina com perspectiva de direitos humanos e a participação das comunidades afetadas pela atividade empresarial, realizada na sexta-feira (11).

“Aqui não estamos falando de ESG, nem de responsabilidade social corporativa, nem de autorregulação, nem de recomendações e também não estamos tratando de boas práticas empresariais”, enfatizou Melisanda à plateia. “O que nós estamos tentando fazer é construir uma lei de direitos humanos”.

O PL 572, como o projeto de lei foi registrado na Câmara dos Deputados, foi apresentado em 2022. Ele considera princípios como a universalidade dos direitos humanos, a obrigação do Estado e das empresas em respeitar e proteger esses direitos e a centralidade do sofrimento da vítima. Assim, pelo texto, são impostas obrigações ao Estado e às empresas para prevenir, monitorar e reparar violações de direitos humanos, com ênfase na responsabilidade solidária ao longo de toda a cadeia de fornecimento.

Trentin explicou que um dos principais atributos do projeto é a prevalência dos direitos humanos sobre qualquer outro tipo de acordo, inclusive aqueles de natureza econômica, comercial, de serviços ou investimentos, deixando evidente que nada disso está acima da dignidade humana.

Assista aqui: https://www.youtube.com/live/AnANdnfAdQE 

O projeto prevê também: a criação de mecanismos de monitoramento; a obrigatoriedade de envio de relatórios periódicos por parte das empresas; sanções para empresas que violam direitos humanos, como multas, suspensão de atividades e perda de bens; e direitos específicos para as pessoas, grupos e comunidades atingidas por violações de direitos humanos, incluindo o direito à reparação integral e à consulta prévia, livre e infromada, além do direito ao consentimento. 

O projeto destaca a importância da participação ativa das comunidades afetadas nos processos de reparação, incluindo a obrigação das empresas de custear assessorias técnicas independentes e garantir consultas populares inclusivas e acessíveis.

Leia a cartilha popular sobre o PL 572

Para Melisanda Trentin, a aprovação do projeto conhecido como Lei Marco será fundamental para o avanço na proteção dos direitos humanos no Brasil. “A proposta reforça o direito à reparação integral e coloca as vítimas no centro do debate, destacando que os direitos humanos devem prevalecer sobre os interesses empresariais”, afirma.

Entre a devida diligência e as leis vinculantes

Como o Fórum Global, o encontro regional também tem foco na implementação dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, aprovados em 2011. Eles trazem diretrizes sobre (I) o dever do Estado de proteger contra abusos de direitos humanos por parte de terceiros, incluindo empresas; (II) a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos; e (III) o acesso das vítimas a recursos judiciais e não-judiciais para remediar e reparar violações. 

A tríade foi estabelecida por John Ruggie, enquanto representante especial sobre o tema à época e que também exerceu um importante papel na construção teórica do Pacto Global – um compilado de princípios de adesão voluntária sobre os Direitos Humanos e as atividades empresariais.

Alinhado a tais princípios, a devida diligência em matéria de empresas e direitos humanos é o processo pelo qual as empresas identificam, avaliam, previnem e mitigam riscos e impactos negativos de suas atividades sobre os direitos humanos, que envolvem a Identificação e avaliação dos riscos e impactos sobre os direitos humanos em toda a cadeia produtiva; a adoção de medidas para prevenir, mitigar e, se necessário, reparar esses impactos; o monitoramento contínuo da eficácia das ações implementadas; e a comunicação e a transparência, garantindo que pessoas afetadas tenham acesso a informações e a mecanismos de reclamação.

No entanto, diversas organizações da sociedade civil têm apresentado críticas aos princípios orientadores. O Instituto Homa, por exemplo, observa que eles “não determinam objetivamente a responsabilidade empresarial nas violações de Direitos Humanos, apenas a dos Estados, e suas normas não configuram uma ameaça substancial à atividade corporativa, pois também permitem que as empresas escolham sua adesão ou não”. 

Enquanto Fórum na ONU insiste em autorregulação de empresas, evento autônomo aponta violações na América Latina

Em outras palavras, o debate dos princípios orientadores apresentam o respeito aos direitos humanos por parte das empresas como um caráter voluntário, e não obrigatório. Para um conjunto de organizações da sociedade civil – sobretudo de pessoas atingidas por empreendimentos – os mecanismos da diligência e da autorregulação voluntária das empresas têm se mostrado ineficazes para prevenir e mitigar violações socioambientais.

 O tema, porém, é discutido também em outras esferas, como as sessões do grupo de trabalho intergovernamental aberto da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre corporações transnacionais e outras empresas comerciais com respeito aos direitos humanos para discutir um tratado vinculativo sobre o tema. 

Na edição do ano passado, o Instituto Homa, em parceria com a Justiça Global levaram contribuições para o quarto rascunho do tratado. Além da defesa do caráter vinculante – ou seja, obrigatório – as organizações sugeriram uma linguagem mais assertiva para evitar ambiguidades, a inclusão de “violações de direitos humanos” em vez de “abusos” e a responsabilidade das empresas em toda a cadeia produtiva. 

Homa e Justiça Global levam PL brasileiro para negociação na ONU sobre direitos humanos e empresas

Elaborado com ampla participação social, o projeto surge como resposta à insuficiência dos mecanismos voluntários e da devida diligência. Ao estabelecer regras vinculantes, o PL busca combater a impunidade corporativa e garantir mecanismos efetivos de responsabilização e reparação integral.

Em evento paralelo, organizações de direitos humanos defendem direito à reparação integral e vítimas no centro do debate

Na quarta-feira (9), o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo sediou uma série de debates paralelos ao fórum. Durante a tarde, a coordenadora de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, Melisanda Trentin, mediou uma mesa sobre as propostas da sociedade civil brasileira para a responsabilização de empresas em matéria de direitos humanos. 

“O debate deixou evidente que a criação de leis vinculantes é indispensável para garantir que os direitos humanos não fiquem subordinados aos interesses empresariais e que as vítimas tenham acesso efetivo à justiça e à reparação integral”, afirma Trentin. 

Participaram:

Fernanda Hopenhaym – Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos
Antonio Megale – Instituto Lavoro
Jandyra Uehara – CUT Nacional
Manoela Roland – HOMA
Fernanda Martins – Articulação Internacional de Atingidas e Atingidos pela Vale

Além desse, os outros dois paineis trataram sobre a transição energética justa e popular, além da luta por soberania alimentar e agroecologia no debate sobre agronegócio e (in)justiça climática. O debate também frisou como as mulheres são mais ameaçadas em grandes projetos

A mesa de abertura contou com o relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) de Direito Humano ao Desenvolvimento, Surya Deva. Ele enfatizou a importância de um novo modelo de desenvolvimento que seja justo, participativo e respeite as salvaguardas socioambientais.

 “É necessário adaptar o desenvolvimento a partir de suas realidades econômicas, sociais, culturais e políticas. Somente a partir dessas dimensões, poderemos fortalecer as agendas voltadas para a promoção e proteção dos direitos humanos”, destacou Deva. 

Já o secretário regional do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Gilberto Lima, denunciou a falta de consulta prévia – conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – a comunidades atingidas no modelo de transição energética em curso do país.

“O modelo não é inclusivo nem popular, e está violando os direitos humanos de comunidades tradicionais e pesqueiras. As consequências são graves: lideranças estão sendo ameaçadas e as comunidades estão perdendo territórios e acumulando prejuízos à pesca artesanal, à agricultura e à biodiversidade. Estamos sendo excluídos dos benefícios econômicos prometidos”, argumentou.

 

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