A Justiça Global foi aceita como amicus curiae (amiga da Corte) e enviou contribuições para a análise.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos apresentou publicamente nesta sexta-feira (22) a sentença do caso da comunidade La Oroya contra o Estado peruano. A decisão foi transmitida ao vivo pelo YouTube da Corte IDH. A Justiça Global participou do caso como amicus curiae no processo desde o fim de 2022, ao lado de outras organizações que compõem a Red-Desc.
Com cerca de 30 mil habitantes, a pequena cidade nos Andes peruanos ficou conhecida como uma das mais poluídas do mundo (Blacksmith Institute, 2007), devido à intensa atividade de mineração no local. A contaminação do ar chegou a reduzir a esperança de vida dos moradores a 40 anos, deixando o ar irrespirável em certas horas do dia.
Câncer, danos a órgãos vitais, infertilidade e danos irreversíveis ao sistema respiratório e outros órgãos vitais estão entre as consequências à saúde causado pelos altos níveis de metais pesados (como chumbo, cádmio e arsênico) no ar, no solo e nas águas, identificados inclusive no sangue de crianças (Arce e Calderón, 2017).
As atividades de mineração iniciaram no começo do século XX e só foram paralisadas em 2009, à época sob gestão da estadunidense Doe Run, após vários escândalos de contaminação. No entanto, os impactos permanecem até hoje na região
Na decisão, a Corte definiu que o Estado peruano é responsável por graves violações aos direitos a um meio ambiente saudável, à saúde, à integridade pessoal e outras violações. Para a Asociación Pro Derechos Humanos do Peru (Aprodeh), “A poluição do ar e da água em La Oroya tem sido um problema persistente que afeta a qualidade de vida de seus habitantes, e esta sentença marca um passo crucial em direção à proteção dos direitos humanos e do meio ambiente na região e no mundo. Ainda há muito trabalho a ser feito, mas esta decisão é um avanço importante na busca por justiça para La Oroya e seus moradores.”, disseram em nota publicada pelo Instagram.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já havia emitido medidas cautelares em 2007, mas, perante a não implementação das recomendações para conter a poluição e proteger os moradores, a CIDH interpôs uma ação perante a Corte Interamericana considerando o Estado peruano responsável por violações ao não regulamentar as atividades mineiras perante os direitos humanos e ambientais da comunidade La Oroya (veja o relatório de mérito).
O caso é o primeiro a colocar como central a obrigação dos governos de respeitar, proteger e cumprir o direito a um meio ambiente saudável em casos de poluição industrial. Diversos especialistas e organizações de direitos humanos do continente americano enviaram contribuições em favor do caso, como a Rede Universitária para os Direitos Humanos, em colaboração com o Projeto Lowenstein da Faculdade de Direito de Yale e estudantes da Faculdade de Direito de Columbia.
Contribuições foram enviadas junto à Red-DESC
A Justiça Global contribuiu como amicus curiae junto com a Red-DESC, coalizão da qual faz parte. O documento coletivo aponta que o caso pode avançar, entre outros itens, no direito internacional em relação às questões ambientais e poluição industrial em larga escala, na questão dos efeitos desproporcionais causados pelos danos ambientais, no dever de regular e fiscalizar empresas privadas, estatais e transnacionais, bem como na primazia dos direitos humanos perante compromissos de investimentos internacionais e dos acordos de livre comércio.
“No caso La Oroya, a Corte Interamericana discutiu alguns aspectos do direito internacional dos direitos humanos que podem ter impactos importantes, e esperamos positivos, no contexto brasileiro, como o impacto ambiental no meio ambiente e saúde dos espaços e comunidades próximas a empreendimentos industriais de grande escala. Na contribuição ao julgamento elaborada em conjunto com aproximadamente dez organizações do mundo todo, foi destacado como são os grupos historicamente discriminados aqueles que são mais fortemente afetados, ao invés de receberem a atenção e proteção condizente como sua condição de vulnerabilização”, comenta o Coordenador do Programa de Justiça Internacional da Justiça Global, Eduardo Baker.
Zona de sacrifício
A Coordenadora do Programa de Justiça Socioambiental da Justiça Global, Melisanda Trentin, explica que o caso La Oroya é frequentemente lembrado como um exemplo de uma “zona de sacrifício”, devido aos gravíssimos impactos ambientais e à saúde das pessoas causados pela poluição gerada na cadeia da mineração na região. O termo é usado para descrever áreas onde as comunidades locais enfrentam níveis insustentáveis de poluição e degradação ambiental devido à presença de indústrias altamente poluentes.
“Essa condenação internacional no caso La Oroya pode representar um avanço significativo em relação aos casos envolvendo empresas, violações de direitos humanos e questões ambientais, com muitas repercussões importantes como a reparação integral das pessoas afetadas e a adoção de medidas de não-repetição”, afirma Melisanda Trentin.
A mineração tem afetado comunidades em outros lugares do Peru, da América Latina e do Caribe
A violação observada contra La Oroya tem se repetido em diversas comunidades em toda a região, com agência de empresas estadunidenses, canadenses, europeias e mesmo brasileiras. É o que a Justiça Global documentou no relatório “Mineração e violação de direitos humanos: Peru”, publicado em 2017.
O material dá visibilidade a dois casos. O primeiro se refere à contaminação do mar pelo fosfato que embarca em navios para a exportação, extraído pela Vale, na bacia de Sechura, Província de Piúra. O segundo trata da construção de uma hidrelétrica, construída pela Odebrecht, cuja energia é principalmente para viabilizar os projetos da mineradora Yanacocha, no rio Manañon, na Província de Cajamarca.
Ótima notícia, fizemos também a denuncia a esta corte sobre o grave problema de contaminação por metais pesados em nossa população na Bahia, na cidade de santo Amaro onde um grupo francês instalou uma fábrica para beneficiar chumbo, contaminou centenas de pessoas, matou milhares de pessoas e até o momento não tivemos resposta do governo brasileiro e nem da justiça do Brasil.