A Justiça Global vê com extrema preocupação o relatório apresentado pelo deputado Ricardo Izar (PP-SP), no processo de quebra de decoro em análise no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, no qual defende a suspensão do mandato do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) por 120 dias. A prova apresentada pelo PSC para ingresso com ação no conselho, um vídeo que expressaria a intencionalidade de Jean Wyllys em cuspir no deputado Bolsonaro, foi considerada não verdadeira por um laudo encomendado pelo Conselho de Ética à Policial Civil do distrito federal. O processo contra Wyllys foi iniciado por denúncia do partido de Jair Bolsonaro, o PSC, por Jean Wyllys ter supostamente cuspido em sua cara, após ser insultado pelo parlamentar, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff, em 17 de abril. O deputado Izar, desconsiderou não só o depoimento de Jean Wyllys, que lembrou ser vítima de ataques de Jair Bolsonaro há seis anos e que no dia específico o parlamentar o chamou de “veadinho” e “queima rosca”, mas também o resultado da perícia da Polícia Civil e os relatos de testemunhas que comprovam a provocação de Bolsonaro no dia da votação. Em seu relatório optou por recomendar a punição de Jean com 120 dias de suspensão, argumentando que deveria sofrer “severa reprimenda”, em função do “alto grau de reprovabilidade da conduta perpetrada pelo deputado Jean Wyllys”.
Cabe ressaltar que o Conselho de Ética da Câmara, em muitas oportunidades, agiu de forma parcial para proteger parlamentares acusados de todo tipo de desvio e quebra de decoro. Por exemplo, demorou oito meses para recomendar a cassação de Eduardo Cunha, que já havia sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ser réu em ações de corrupção e lavagem de dinheiro.
É difícil acreditar que palavras ofensivas proferidas por várias vezes pelo deputado Jair Bolsonaro em frente às câmeras de TV e em plenário não sejam prova de atitudes misóginas, homofóbicas e de incentivo à tortura. Ele mesmo já foi alvo de diversas ações no Conselho de Ética, como por tentar agredir, em 2003, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), fato gravado por uma TV presente no dia da agressão. Posteriormente, após a mesma votação do impeachment, Maria do Rosário criticou em plenário a defesa feita por Bolsonaro do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, conhecido por suas atrocidades durante a ditadura militar. Foi o suficiente para Bolsonaro, em uma incitação evidente à violência contra a mulher, dizer na frente de testemunhas à Maria do Rosário: “Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, […] e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir”, disse o parlamentar, que repetiu o que havia dito à deputada em 2003, quando da tentativa de agressão à Maria do Rosário. Estranhamente, nenhuma das ações no Conselho contra Bolsonaro foram consideradas ao longo dos anos. Foi preciso que o STF acatasse a denúncia e transformasse o deputado em réu por incitação à violência contra a mulher, por essa fala contra Maria do Rosário, em abril de 2016, além de uma recente condenação por danos morais.
Cabe ressaltar que muitas vezes a palavra tem efeitos mais devastadores do que um cuspe. Pessoas são perseguidas, agredidas e até mortas por incitações desse tipo e não são poucos os casos ocorridos no país, como verificamos nos inúmeros linchamentos e assassinatos registrados no país. Ao cuspir, Jean reagiu a uma agressão que sofre há anos por parte do deputado Bolsonaro. Não foi algo planejado, como se verifica nos discursos de ódio de Bolsonaro, feitos não só em plenário, mas em suas redes sociais, e como o PSC procura demonstrar, mesmo de forma não verdadeira. A Justiça Global espera que os parlamentares do Conselho de Ética e Decoro da Câmara dos Deputados não aprovem tal relatório, que pune e criminaliza um parlamentar cujo mandato é reconhecido internacionalmente pela defesa intransigente dos direitos humanos.
Se aprovado o relatório, ficará evidente o processo criminalizador e deslegitimador contra Jean Wyllys e também uma perseguição contra um parlamentar assumidamente gay e militante LGBT e de direitos humanos.
Manifestamos total apoio e solidariedade ao deputado Jean Wyllys e pela não aprovação do relatório do deputado Ricardo Izar.