“O Atlas da Violência evidencia problemas nas perícias e como mortes estão estruturadas pelo racismo”

Monique Cruz, coordenadora do programa de Violência Institucional e Segurança Pública, analisou os dados da edição de 2024 da pesquisa publicada pelo Ipea, com apoio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nesta semana.

O Atlas da Violência 2024, lançado na última terça-feira (18/06) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é mais uma pesquisa que lança luz sobre o racismo na dinâmica da segurança pública do Brasil. Segundo o levantamento dos dados coletados em 2022, a taxa de assassinato entre pessoas pretas e pardas é de 29,7 assassinatos a cada 100 mil habitantes, ou seja, uma pessoa negra morta a cada 12 minutos.  Pela pesquisa, pessoas negras são três vezes mais vítimas de homicídios do que pessoas brancas. Entre indígenas, o número é de 21,5 mortes a cada 100 mil.

“É um dado gritante, reiterado, que evidencia como as mortes violentas, os homicídios, estão estruturados, organizados e reiterados, que é pelo racismo”, comenta a coordenadora do programa de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, Monique Cruz. “É interessante chamar atenção às relações com questões como o controle de armas e o proibicionismo das drogas. Esses fatores também interferem nessa produção de violência em muitas camadas e de maneiras diferentes nos territórios, mas sempre muito inter-relacionados”, completa.

Homicídios ocultos e a questão das perícias no país

A pesquisa ainda traz dados sobre “homicídios ocultos” e mortes violentas que não tiveram registro correto ou esclarecido. Em 2022 foram 5.982 assassinatos que ficaram de fora das estatísticas oficiais, sendo 40.3% no estado de São Paulo. Ainda sobre homicídios, 72,4% dos casos deste tipo de morte foram cometidos com armas de fogo. Pela pesquisa, estima-se que 51.726 homicídios ficaram sem registro no Brasil entre 2012 e 2022.

“Entre 2012 e 2022, 131.562 pessoas morreram de forma violenta sem que o Estado conseguisse identificar a causa básica do óbito, se decorrente de acidentes, suicídios ou homicídios – as chamadas mortes violentas por causa indeterminada (MVCI). Esse fenômeno aumentou consideravelmente em 2018 e 2019. Usando um método de aprendizado de máquina, os autores do Atlas da Violência 2024 estimaram 51.726 homicídios ocultos no total de MVCI de 2012 a 2022. Com isso, as estatísticas oficiais saltariam de 609.697 para 661.423 no mesmo período”, explica nota oficial.

Monique Cruz destaca a metodologia da pequisa e explica que o termo está relacionado mortes violentas indeterminadas e que isso tem um impacto na busca por justiça.”Eles trabalham com dados do sistema de saúde. E esse tipo de morte chama a atenção por uma questão que a gente trata há muitos anos que é questão das perícias. Se você não tem uma investigação qualificada, se você não tem a transparência das informações de como as polícias têm trabalhado. Você vai ter uma série de registros que não são qualificados sobre como essas mortes, especialmente homicídios, ocorreram”.

Um exemplo destacado pela assistente social e pesquisadora é o caso de Maicon de Souza, criança de dois anos assassinada em 1996 durante troca de tiros entre criminosos e policiais do 9º Batalhão da PM de Rocha Miranda, na comunidade de Acari, zona norte do Rio. O crime prescreveu hoje (15), mas Silva disse que vai lutar para que a morte do filho não seja esquecida. Foi instaurado um IPM 39º Distrito. O inquérito foi arquivado em 2005.

“Nesse caso, os processos periciais foram todos muito problemáticos e isso culminou no arquivamento do caso agora de um litígio internacional. O caso da Marielle Franco também evidencia um pouco disso. No país, não há sequer uma política nacional que determina como as perícias devem acontecer, de como essas investigações devem se dar, que tipo de dados elas têm produzido, porque cada unidade da federação funciona de um jeito e, na maioria, de forma muito problemática”, diz.

Você pode conferir os dados completos do relatório em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes/atlas-da-violencia/.

Guerra às drogas e encarceramento em massa

Trazendo um dado econômico para um debate onde o social já deveria ser suficiente, o Atlas fala sobre a economia pública que seria feita caso o estado brasileiro definisse critérios claros para a prisão e apreensão de pessoas por porte de entorpecentes como a maconha e a cocaína: os valores poderiam alcançar R$2 bilhões.

Os dados também mostram que mais de 60 mil pessoas poderiam estar em liberdade se os critérios estabelecidos para separar “usuário” e “traficante” fossem a posse de 100g de maconha ou 15g de cocaína, por exemplo.

Violência contra mulheres e meninas

Outro dado em destaque no Atlas é que a violência sexual é o principal tipo contra meninas de 10 a 14 anos. Quase metade (49,6%) das violências sofridas por esse grupo tem este cunho. O número aparece justamente num momento em que o Congresso Nacional pode retroceder nas políticas públicas de saúde das mulheres, aumentando o machismo, com o avanço de projetos da extrema-direita que criminalizam o aborto e punir pessoas que foram sofrem estupro.

População LGBTQIA+

No mês do Orgulho, um dado alarmante: 802 vítimas de violência contra pessoas LGBTQIA+ em 2022. 67,1% são mulheres, 55,6% negras e 72,5% homossexuais. O mês de junho marca as ações de luta pela diversidade sexual e de gênero em referência à revolta de Stonewall, de 1969, quando um grupo de homens gays e mulheres lésbicas protestaram contra a violência policial contra homossexuais nos Estados Unidos.

Crédito da foto de capa: Tânia Rêgo – Agência Brasil.

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