Documento foi endereçado a três relatorias especiais após reunião com equipe das Nações Unidas para reivindicar o cumprimento de direitos para garantir dignidade para pessoas sob a custódia do Estado.
Via Pastoral Carcerária
Uma articulação com onze organizações da sociedade civil enviou uma contribuição direcionada à Relatoria Especial de Direito à Alimentação, à Relatoria Especial de Direito à Água e ao Saneamento e à Relatoria Especial de Direito à Saúde da ONU, para denunciar as negligências do poder público brasileiro na garantia do fornecimento de água e alimentação adequada para a população carcerária. Essa ação ocorre após uma reunião do grupo com a equipe da Relatoria Especial de Direito à Alimentação para reivindicar medidas de garantia da segurança alimentar no sistema prisional, essenciais para o cumprimento digno da pena.
A situação de escassez de água e de alimento é uma realidade dessa população, a terceira maior do mundo, atualmente com mais de 830 mil pessoas encarceradas – 67,5% negras, 46,4% jovens (entre 18 e 29 anos), 56% sem Ensino Fundamental I completo.
Uma vez que o Estado não fornece o mínimo necessário para a subsistência das pessoas presas, em geral, resta às mulheres da família garantir boa parte destes itens básicos por meio do envio de um kit de mantimentos (conhecido como “jumbo” no estado de São Paulo), ainda que, por vezes, sejam elas as principais fontes de sustento das suas famílias sem sequer ter vínculo formal de trabalho. Nos últimos anos, até mesmo esses kits tiveram problemas para chegar ao destino das pessoas presas.
Por meio de pedidos de acesso à informação realizados pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) às secretarias de administração penitenciária em todos os estados do país, foi identificado que houve negligência por parte do poder público na garantia do fornecimento de água e alimentação adequadas durante o período da pandemia da COVID-19, problemas que até agora não apresentaram melhoras.
Nesse período, a entrega desses kits por familiares foi suspensa sem que o poder público ampliasse o fornecimento de subsídios. Segundo a Pastoral Carcerária Nacional – CNBB, em abril de 2020, 65,9% dos familiares de pessoas presas não estavam conseguindo enviar itens de higiene ou alimentação para seus parentes.
A Resolução 3/2017 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária prevê a obrigatoriedade de cinco refeições diárias para as pessoas presas. Em praticamente todas as unidades prisionais do estado de São Paulo são fornecidas apenas três refeições por dia (café da manhã, almoço e jantar, sendo que entre o jantar e o café da manhã do dia seguinte normalmente transcorrem mais de quinze horas) e nas unidades do estado de Minas Gerais não são fornecidas mais do que quatro refeições diárias, destacando que estes são os estados com as duas maiores populações carcerárias do país.
Tal descaso com essa população fez com que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) nomeasse a situação de má nutrição enfrentada como “pena de fome”.
Também sofrem com a privação alimentar as pessoas presas em flagrante que aguardam a realização da audiência de custódia. Nesse sentido, a Conectas Direitos Humanos coletou relatos de pessoas que foram detidas e que, ao passarem pelas audiências de custódia, denunciaram essa prática.
Em 2022, também foram apresentadas três denúncias nas Nações Unidas pelo grupo de organizações sobre o agravamento dos maus-tratos e das violações de direitos humanos nos estabelecimentos de privação de liberdade. Duas foram direcionadas ao Relator Especial sobre Direito à Alimentação e a outra à Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), agência que atua pela erradicação da fome.
As entidades pedem que as relatorias da ONU questionem e enviem recomendações ao Estado brasileiro sobre as medidas implementadas para garantir o direito fundamental à alimentação adequada para a população privada de liberdade.
As organizações sugerem as seguintes recomendações no apelo à ONU:
1 – Oferta mínima de cinco refeições diárias, incluindo café da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia, especialmente para pessoas enfermas e mulheres gestantes e lactantes;
2 – Proibição de intervalo superior a dez horas entre a última refeição do dia e a primeira do dia seguinte;
3 – Oferta mínima de cinco porções de frutas, verduras ou legumes frescos ao dia (quatrocentos gramas ao dia);
4 – Abastecimento constante de água limpa e potável, bem como a prestação de serviços básicos de saúde;
5 – Criação de Comitês e Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura em todas as unidades federativas onde ainda não existam, especialmente no Estados de São Paulo e Minas Gerais, garantindo-lhes independência e estrutura adequada para seu funcionamento;
6 – Proibição de cozinhas externas às unidades prisionais e estabelecimento de cozinhas internas às unidades prisionais com possibilidade de trabalho remunerado e de remição da pena;
7 – Implementação de uma comissão permanente de fiscalização dos contratos com as empresas terceirizadas que fornecem as alimentações, composta por Defensorias Públicas Estaduais e da União, Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (Mecanismos e Comitês), familiares de pessoas presas e sociedade civil, com posterior envio para o Tribunal de Contas;
8 – Inspeção da vigilância sanitária nas unidades prisionais, nos veículos de transporte da alimentação e nas cozinhas externas;
9 – Transporte adequado dos alimentos;
10 – Permissão de entrada de alimentos por familiares de pessoas presas, não restringindo o envio a alimentos ultraprocessados;
11 – Ampliação considerável da quantidade de alimentos a serem levados por familiares visitantes;
12 – Implementação de medidas de desencarceramento, considerando a superlotação nas unidades prisionais e os seus impactos para a garantia do direito à saúde;
13 – Comunicação ao Governo Federal Brasileiro da situação e das recomendações apresentadas.
Assinam o documento as seguintes organizações: Associação de Amigos e Familiares de Presos – Amparar; Conectas Direitos Humanos; Coordenação Estadual do Sistema Prisional da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais; Grupo de Pesquisa e Ação Alimentação e Prisões; Instituto de Defesa do Direito de Defesa; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania; Justiça Global; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Pastoral Carcerária Nacional – CNBB; Rede Justiça Criminal.
Confira o documento do apelo urgente completo aqui.