

Lançado pelo Ministério da Justiça e STF, o plano propõe enfrentar violações de direitos e racismo estrutural no sistema prisional, mas desafios como transparência e participação social ainda preocupam.
O Plano Pena Justa, lançado pelo Ministério da Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 12 de fevereiro, traz diretrizes para enfrentar as violações sistemáticas de direitos no sistema prisional brasileiro, com diretrizes para construção de planos estaduais e distrital.
O documento, elaborado em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Pena Justa é um desdobramento da ADPF 347, ação que questionou a violação massiva de direitos fundamentais nas prisões do país e foi aprovada por unanimidade pelo STF em outubro de 2023.
As medidas determinadas devem combater a superlotação, melhorar as condições de infraestrutura, saúde e higiene, além de promover a reintegração social de sobreviventes do sistema prisional. A iniciativa prevê 51 ações e 306 metas até 2027.
Um dos avanços do plano é que ele reconhece o racismo institucional como um fator estruturante das violações. Para a coordenadora de combate à violência institucional e segurança pública da Justiça Global, Monique Cruz, tal perspectiva não deve considerar apenas a sobre-representação de pessoas negras nas prisões, mas também precisam ser enfrentadas em outras instâncias, como no judiciário – que tem apenas 1,7% de juízas/es negras/os.
“Não é coincidência que 70% das pessoas privadas de liberdade sejam negras, extremamente pobres, com baixa escolaridade e vivendo em lugares vulnerabilizados do campo e das cidades. O Estado brasileiro optou por ir na contramão da garantia de direitos ao priorizar a privação de liberdade em detrimento de outros tipos de penas. A escolha, como sabemos, não se aplica a todas as pessoas da mesma forma”, afirma Monique Cruz.
Apesar dos avanços, o plano carece de mecanismos robustos para a participação da sociedade civil e transparência, especialmente maior participação dos Comitês Estaduais e Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Acesse aqui os documentos relevantes.
O que o Plano Pena Justa propõe?
O plano está organizado em quatro eixos principais:
- Controle de entrada de vagas: alternativas para reduzir a superlotação, como penas substitutivas e monitoração eletrônica;
- Qualidade da estrutura prisional e serviços: melhoria das condições físicas dos presídios, acesso à saúde, higiene e convívio social;
- Processo de saída e reintegração social: qualificação dos procedimentos de soltura e inserção no mercado de trabalho e educação;
- Políticas para evitar a inconstitucionalidade: enfrentamento ao racismo e respeito aos precedentes jurídicos.
Entre as medidas, destacam-se:
- Ampliação de alternativas penais, como justiça restaurativa.
- Integração com o Programa de Aquisição de Alimentos para garantir segurança alimentar.
- Ações de saúde específicas para mães e população LGBTQIA+.
- Visitas virtuais complementares às presenciais e vedação de revistas vexatórias.
- Conexão das unidades prisionais ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Justiça Global apresentou contribuições em audiência com sociedade civil
Em 2024, foi realizada uma série de audiências com contribuições de diversos setores da sociedade para a redação do plano, homologado em dezembro pelo STF, com ressalvas.
A Justiça Global foi uma das organizações da sociedade civil a levar contribuições e apresentou 16 elementos a serem considerados na política pública.
Entre elas, a proibição absoluta da privatização do sistema prisional; a abolição do uso de armamentos menos letais como instrumento de tortura e ampliação do cômputo em dobro – que consta nas resoluções da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2018 nos casos do Complexo do Curado e do Instituto Plácido de Sá Carvalho.
O cenário prisional em números
Dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH) revelam um quadro alarmante:
- 860.377 pessoas privadas de liberdade, colocando o Brasil como o 3º país com maior população carcerária do mundo;
- 70% dos presos são negros, e 54,8% têm baixa escolaridade;
- 200 mil vagas a menos do que o necessário, com um terço das unidades prisionais em condições ruins ou péssimas;
- 3.091 mortes registradas em 2023, sendo 703 por homicídio — um índice quatro vezes maior que o da população geral;
- 120 mil denúncias de maus-tratos desde a implementação das audiências de custódia, em 2015.
Próximos passos
Após a apresentação do plano federal, estados e o Distrito Federal devem desenvolver suas próprias diretrizes, que serão aprovadas e monitoradas pelo STF e CNJ.
A sociedade civil também terá um papel crucial no acompanhamento, especialmente do programa Emprega 347, que oferece vagas de trabalho para presos em obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).Para mais informações, acesse o resumo do Plano Pena Justa e leia as contribuições da Justiça Global.