Por João Pedro e por todas as crianças vítimas de violência policial

A absolvição de policiais evidencia papel do sistema judiciário na construção do racismo no Brasil.

Foi publicada na última terça-feira (09) a decisão da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo de absolver os três policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil do Rio de Janeiro – Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister – pela morte de João Pedro Mattos Pinto, que tinha 14 anos à época. Ele foi atingido dentro da casa do tio em 18 de maio de 2020, durante uma operação conjunta das Polícias Federal e Civil do Rio de Janeiro na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio.

Na decisão, a juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine absolveu sumariamente os três agentes, que haviam sido acusados de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe quando a Justiça aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) em fevereiro de 2022. Os agentes estavam respondendo ao processo em liberdade. “Assim, presente a excludente de ilicitude da legítima defesa, o reconhecimento da absolvição sumária dos réus se impõe”, mostra trecho do despacho.

A expectativa da família e do Ministério Público do Rio de Janeiro era de que o caso fosse levado a júri popular. Conforme também observou o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Estado do Rio Janeiro, a tese da legítima defesa não observou a prova técnica e testemunhal e “de acordo com a lei, devem ser julgados pelo Júri os crimes dolosos contra a vida, quando estiver comprovada a materialidade do fato e havendo indícios suficientes de autoria, como é o caso”.

A Defensoria afirma que vai recorrer e completa que “ao afastar a prova técnica produzida por peritos externos ao próprio órgão de segurança ao qual pertencem os acusados, a sentença contraria a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal, que determinam investigações independentes e perícias autônomas em casos de morte provocada por agentes de Estado.”

Para a Justiça Global, a decisão evidencia o papel do sistema judiciário na construção do racismo no Brasil. A organização escreveu uma nota de posicionamento sobre a sentença.

Leia a nota na íntegra abaixo ou baixe aqui.

Movimentos sociais do Rio protestam contra decisão judicial 

Na manhã desta quinta-feira (11), organizações antirracistas e contra a violência policial do Rio de Janeiro realizam um ato público em revolta contra a decisão judicial que absolveu os três policiais que mataram o jovem negro João Pedro Mattos Pinto. A manifestação vai se concentrar em frente ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a partir das 9h da manhã. A manifestação reivindica que seja considerado o pedido da família de que o caso seja avaliado em júri popular.


[Nota de posicionamento]

Por João Pedro e por todas as crianças vítimas de violência policial: a absolvição de policiais evidencia papel do sistema judiciário na construção do racismo no Brasil

Não é desconhecido que o sistema de justiça no Brasil é um dos poderes da República menos acessíveis à população. Se, de um lado, apenas 14% das pessoas magistradas se autodeclaram negras (CNJ) – e dessas 1,7% pretas -, por outro, são negras mais de 60% das pessoas privadas de liberdade (Depen) e quase 90% das vítimas da letalidade policial em, pelo menos, oito estados (Rede de Observatórios de Segurança). São negros os rostos dos familiares na luta por justiça pelos seus entes queridos assassinados pela polícia.

A notícia desta quarta-feira (10) de que foram absolvidos sumariamente os três policiais responsáveis pelo assassinato do jovem negro, de 14 anos, João Pedro Mattos Pinto, em maio de 2020, reativa a dor e aumenta a angústia dessas inúmeras famílias, constituindo-se como um obstáculo a mais na jornada daquelas e daqueles que lutam por justiça e contra o genocídio negro no país.

A decisão, da juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, endossa a suposta legítima defesa dos policiais envolvidos no caso, que metralharam a casa onde João Pedro brincava com os primos, em São Gonçalo. Evidencia, assim, o abismo racial, também de classe e de gênero, entre o Judiciário e as famílias negras atingidas pela atuação genocida do Estado. Reitera a autorização para que as polícias continuem atuando ativamente para pôr fim à vida negra no Brasil.

Depois de disparar centenas de tiros – dos quais 80 foram documentados nos laudos periciais da casa – e de matar o adolescente, os agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) desapareceram com seu corpo por horas e afirmaram que houve um ataque nunca comprovado por criminosos, que nunca foram identificados.

João Pedro brincava com os primos quando foi atingido nas costas por um fragmento de tiro de fuzil. Ele e seus dois amigos estavam no chão no momento, tentando escapar do confronto. A casa onde estava ficou com mais de 70 marcas de tiros. “Excludente de ilicitude por legítima defesa”, argumentou a juíza na decisão.

A magistrada não foi a primeira a endossar a atuação oficiosa e letal das polícias, nem são os pais de João Pedro os primeiros a viver o terror do assassinato de um filho e depois ver sua dor vilipendiada pelos órgãos de justiça.

Não são casos isolados. Somente entre 2016 e 2023, foram mais de 600 crianças e adolescentes baleados no estado do Rio de Janeiro, segundo o Instituto Fogo Cruzado, sendo 48% dessas vítimas atingidas em operações policiais. Ao todo, entre 2016 e 2022, foram mais de mil vítimas de balas perdidas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e em mais de 60% dos casos, o disparo veio de um policial.

São repetições na história da democracia para poucos no Brasil que apenas aumentam a revolta e a incerteza do futuro. De saber que o racismo, quando não mata na bala (muitas vezes sob a anuência do Estado), mata na dor – como se comprova no adoecimento sistemático de mães e familiares das vítimas do terrorismo de Estado.

Não há saída para a letalidade policial, um entrave à democracia brasileira, sem uma transformação radical das relações raciais no país e no Sistema de Justiça. Nossa solidariedade à Rafaela e ao Neilton, pais de João Pedro, e a todas as pessoas que sentem a indignação frente ao racismo e à covardia que assassina crianças e adolescentes negros todos os dias.

João Pedro, presente! Hoje e sempre!

Justiça Global

Rio de Janeiro-RJ, 10 de julho de 2024

 

 

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