Via Abrasco
A sociedade civil celebra a publicação de uma nova regulação, que visa reverter os retrocessos e minimizar os danos ocorridos nos últimos quatro anos na política de armas e munições do país. Mais ainda, temos a oportunidade de avançar em pontos já frágeis antes da escalada armamentista a que assistimos desde 2019. Após um período de desconstrução da política, e fragilização dos mecanismos de fiscalização e controle, este marco representa um passo significativo para a segurança e democracia no país.
A lei 10.826/2003, popularmente conhecida como Estatuto do Desarmamento, foi uma grande conquista da sociedade e da democracia brasileiras. Além de estruturar uma política sólida de controle de armas e munições, que nos tornou exemplo em todo o mundo, promoveu uma campanha de entrega voluntária que tirou de circulação mais de 500 mil armas. Infelizmente, volume maior que este voltou a circular em apenas três anos, entre 2019 e 2021 – mas, agora, com armas muito mais potentes. Em quatro anos, foram mais de 40 atos normativos editados desmontando o Estatuto do Desarmamento, desde no aumento do número de armas que um cidadão pode adquirir – chegando a 60 – até no acesso a calibres antes restritos às forças de segurança, como os fuzis.
Ao mesmo tempo em que o acesso a armamentos foi estimulado, não houve investimentos em mecanismos de fiscalização e controle, a ponto de o Exército, assumidamente, não saber o tamanho do arsenal de CACs (colecionador, atirador desportivo e caçador) em cada cidade brasileira. Durante os últimos anos, a imprensa revelou inúmeros casos de traficantes, milicianos e assaltantes conseguindo armas legalmente, aproveitando-se do fraco aparato do Estado para lidar com registros de materiais controlados. As políticas públicas de segurança estaduais também não acompanharam esse aumento do número de armas e munições em circulação.
Além do caos normativo e da desconstrução da política de controle de armas, foram anos de promoção do armamento como via de ação política, incentivando a intolerância e o aprofundamento de uma lógica militarizada entre civis. A violência armada, além de ameaçar a segurança da população, passou a ser uma ameaça à própria democracia.
As novas regras reduzem o limite de armas por pessoa, restringem o acesso a armamentos de maior calibre, retornando ao Estado o controle sobre esses arsenais privados. O decreto diminui o prazo para renovação dos registros, aumenta a fiscalização, moderniza e integra os sistemas de informação sobre armas existentes, ampliando a eficiência de ações de inteligência e prevenção, além de aperfeiçoar o controle sobre entidades privadas, como os clubes de tiro. A comprovação dos requisitos para adquirir uma arma também fica mais rigorosa com o fortalecimento dos processos de obtenção do laudo psicológico por profissional credenciado na Polícia Federal e comprovação de idoneidade com busca ativa nos bancos de dados, para verificar eventuais investigações ou processos em nome do interessado.
Essas medidas acatam diversas proposições apresentadas no grupo de trabalho instituído pelo Decreto 11.366/2023, coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, e que ao longo de três meses debateu o tema em uma composição plural, abrindo espaço para todos os campos que quisessem se manifestar. Esse novo arcabouço é fundamental para frear o descontrolado acesso a armamentos, que, indicam os primeiros dados, viabilizou o aumento dos casos de desvio de armas legais para a ilegalidade, os acidentes fatais e as disputas pessoais envolvendo armas de fogo com vítimas fatais.
Celebramos, por fim, que uma regulação firme sobre armas de fogo e munições esteja sendo construída pelo Estado brasileiro, respeitando a opinião dos 72% da população que rejeitam a ideia de que mais armas é sinônimo de mais segurança. Renovamos, assim, nossa esperança de um controle efetivo sobre armas de fogo e munições, e caminhamos em direção a um Brasil mais seguro, pacífico e democrático.
Assinaturas:
Agência Ambiental Pick-upau Apremavi
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
AzMina
Centro de Convivência É de lei
Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia
Conectas Direitos Humanos
Elas No Poder
FADDH – Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Geni/UFF
Girl Up Brasil
IDEAS – Assessoria Popular
Iniciativa negra por uma nova política sobre drogas
Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD Instituto de Estudos da Religião – ISER
Instituto Fogo Cruzado Instituto Igarapé Instituto Mãe Crioula
Instituto Marcinho Megas Kamaradas Contra o Extermínio de Jovens nas Periferias
Instituto Sou da Paz
Instituto Vladimir Herzog
ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Justiça Global
Kurytiba Metrópole
Laboratório de Análise da Violência (LAV/UERJ)
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Open Knowledge Brasil
Rede Justiça Criminal
Washington Brazil Office