Justiça socioambiental na transição energética: as propostas da sociedade civil ao G20

Um grupo destinado a discutir o tema apresentou uma carta de recomendações no espaço de intervenção do C-20, grupo de engajamento destinado à sociedade civil brasileira em preparação ao fórum internacional deste ano. Organizações e movimentos preparam atividades autônomas e independentes críticas às ações.

Uma transição energética que aborde a pobreza energética, que não ocorra às custas dos povos e que não repita o padrão colonial de exploração de recursos foram alguns dos itens destacados na carta apresentada [LINK] ao G20 (ou Grupo dos Vinte) pelo Grupo de Trabalho 3, sobre Meio Ambiente, Justiça Climática e Transição Energética Justa, do C20. O grupo de trabalho do grupo de engajamento da sociedade civil reúne mais de 700 membros, previamente inscritos. Entre eles, a Justiça Global.

Crédito: Maicon Douglas/Gestos.

O Civil 20 é o grupo de engajamento do G20 destinado às organizações da sociedade civil para apresentar recomendações ao fórum composto pelas vinte maiores economias do mundo, o G20. Em 2014, a 19ª edição da cúpula anual ocorre pela primeira vez no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro–RJ, nos dias 18 e 19 de novembro. Além da reunião principal, serão ao todo mais de cem agendas, distribuídas em 15 capitais brasileiras. 

As recomendações foram apresentadas em 27 de maio, durante a terceira reunião do Grupo de Trabalho de Transição Energética do G20 (ETWG), coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), em Belo Horizonte–MG, pelas facilitadoras do GT3 do C20 – a assessora do Observatório do Clima Priscilla Papagiannism e por Natália Tsuyama, do Engajamundo. 

O documento focou em cinco pontos principais:

  • Uma transição energética justa deve abordar a pobreza energética e garantir acesso universal e equitativo a energia suficiente para atender às necessidades básicas e alcançar uma qualidade de vida digna;
  • Embora a necessidade de uma transição energética global seja inquestionável, ela não pode ocorrer às custas dos povos e populações historicamente explorados;
  • O aumento da demanda por extração de minerais críticos não pode repetir o padrão colonial de exploração de recursos do passado;
  • O foco da transição justa deve estar nas comunidades historicamente dependentes dos combustíveis fósseis;
  • Uma transição justa significa garantir consulta às comunidades afetadas e participação popular efetiva ao longo de todo o processo.

Leia a carta na íntegra em português [LINK] ou em inglês [LINK]. 

“À luz da emergência climática global, exemplificada pelas recentes inundações catastróficas no estado do Rio Grande do Sul, no na região sul do Brasil, e crises associadas, como a perda de biodiversidade e o aumento das desigualdades sociais em muitas regiões do mundo, a implementação de uma transição energética verdadeiramente justa, sustentável e democrática deve ser considerada uma prioridade entre os países do G20”, destacaram na apresentação.

Um dos principais argumentos apresentados na carta da sociedade civil ao G20 é que a construção e implementação de planos de transição energética devem basear-se em processos transparentes e participativos, com forte liderança da sociedade civil, para garantir decisões democráticas orientadas para o interesse público com devido respeito pelos direitos humanos.

C20 na 3ª Reunião de Sherpas do G20, no Rio de Janeiro. Crédito: Audiovisual G20 Brasil.

Recomendações gerais do C20 foram entregues ao G20

Reunindo as recomendações dos dez grupos de trabalho do grupo de engajamento da sociedade civil (Civil 20), a reunião intermediária (Midterm Meeting) do C-20 com o G-20 Brasil foi realizada nos dias 1º e 2 de julho, a Casa Firjan, no Rio de Janeiro.  Participaram representantes de ministérios do governo brasileiro (Fazenda, Cultura, Mulheres, Secretaria-Geral da Presidência) e da sociedade civil de países como África do Sul, Indonésia, Bolívia, Itália e Argentina.

Já entre 3 e 5 de julho, também no Rio de Janeiro, foi o momento de levar essas recomendações à 3ª Reunião de Sherpas (designação interna do G-20 para os/as articuladores/as políticos). Foi a primeira vez que houve uma sessão conjuntas entre os sherpas e os representantes dos grupos de engajamento. No encontro, eles apresentaram as prioridades discutidas aos altos representantes governamentais. 

Uma das recomendações à mesa do C-20 é que o G20 estabeleça um mecanismo de rendição de contas e monitoramento sobre os compromissos que assume. Além disso, o GT-3 e a força tarefa n.2 (sobre Ação Climática Sustentável e Transições Energéticas Justas e Inclusivas) do T-20, que reúne think tanks e institutos de pesquisa, ainda lançaram um documento conjunto [LINK] com as convergências elaboradas pelos dois grupos. A declaração, apresentada em 4 de julho, traz recomendações relacionadas à transição energética justa, à ambição climática, à justiça climática e ao financiamento climático.

A Justiça Global não esteve presente nas agendas oficias no Rio de Janeiro, mas contribuiu no documento sobre transição energética do C-20. A Justiça Global não esteve presente nas agendas oficias no Rio de Janeiro, mas contribuiu no documento sobre transição energética do C-20. A organização é uma das que compõe o comitê organizador da Cúpula dos Povos frente ao G20.

Crédito: Divulgação/ Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano

Cúpula dos Povos frente ao G20 discute evento sob perspectiva crítica

Desde o começo do ano, uma série de atividades têm sido mobilizadas para preparar um debate crítico frente ao encontro dos chefes de Estado e, entre 9 e 10 de maio, mais de 60 entidades, entre entidades sindicais, movimentos populares e organizações da sociedade civil, se reuniram na cidade do Rio de Janeiro para um seminário, no qual foram discutidos itens como os prejuízos  à população das diretrizes de austeridade fiscal e a falsa narrativa de que a financeirização da natureza pode ajudar a mitigar a crise ambiental.

Leia a reportagem do Brasil de Fato sobre o evento.

Entre 1º e 3 de julho, durante a realização das atividades oficiais no Rio, foi realizada no Sindicato dos Comerciários, no centro da cidade, a 4ª Plenária Nacional de organização da “Cúpula dos Povos Frente ao G20″, com a participação de representantes da sociedade civil, sindicatos, entidades e movimentos sociais de todo o país. Durante o evento, os participantes da plenária promovem um ato público na Cinelândia em solidariedade ao povo palestino e reivindicando que o Brasil e demais Estados-nações cortem relações comerciais com Israel. O ato foi denominado “G20 sem créditos para o genocídio em Gaza”.

“Os novos temas incorporados a reboque pelo G20 – como emprego, racismo, epidemias, desigualdade, superação da fome, clima, meio ambiente ou energia – só demonstram que as esferas de governança capitalista global requerem monitoramento constante dos efeitos destrutivos das próprias práticas e políticas vigentes no sistema financeiro internacional: para eles, é preciso precificar até a destruição, pois ela também dá lucro”, diz trecho do documento “G20: onde os ricos garantem seus privilégios”, divulgado na 1ª edição de um boletim sobre o G20 pela organização Jubileu Sul Brasil.

A organização, ao lado do Brics Policy Center da Puc-Rio e a Abong, publicou um material para traduzir a linguagem do G20 de forma crítica para o público e facilitar a participação social.


Entenda mais:

O que é o G20?

Criado em 1999, o G20 é um fórum de cooperação econômica multilateral entre líderes de países de economias industrializadas e emergentes para discutir temas relacionados ao desenvolvimento socioeconômico global. 

É formado por 19 países e dois órgãos regionais – a União Europeia e a União Africana, que representam juntos cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, mais de 75% do comércio mundial e cerca de dois terços da população mundial. 

O grupo foi criado no escopo do G-7 – fórum que existe desde 1975 das sete maiores economias – diante uma sequência de crises econômico-financeiras em várias partes do mundo, visando promover políticas, numa perspectiva neoliberal, e retomar um cenário de estabilidade. Apesar disso, o grupo expandiu a agenda para outros temas, como meio ambiente, saúde, agricultura, energia, clima e combate à corrupção. 

Além do Brasil, compõem o G-20: África Do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Estados Unidos Da América, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Coreia do Sul, Rússia, Turquia, União Africana e União Europeia. 

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a abertura da Sessão Conjunta das Trilhas de Sherpas e de Finanças do G20, no Palácio do Itamaraty. Brasília–DF. Crédito: Ricardo Stuckert / Presidência da República.

A cada ano, um país ocupa a presidência e define a agenda do G-20. O Brasil foi presidente em 2008 e voltou a ser em 2024 (conheça o site oficial). Mas é a primeira vez que a Cúpula, ou a reunião entre os chefes de Estado dos países-membros, ocorre no Brasil. 

Para o mandato, entre dezembro de 2023 e novembro de 2024, o país definiu como eixos de atuação: o combate à fome, à pobreza e a desigualdade; as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental) e a reforma da governança global.

O Brasil ainda convidou representantes dos países: Angola, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega, Portugal e Singapura. E também as organizações internacionais: a Organização das Nações Unidas – ONU (e suas agências ONU para a Alimentação e a Agricultura – FAO, a ONU Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD, a ONU para Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, a Organização Mundial da Saúde, a Organização Internacional do Trabalho, a Organização Mundial do Comércio), além do Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, o Banco Interamericano De Desenvolvimento, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o New Development Bank.

Em 2025, o G20 será presidido pela África do Sul. 

O que são o C20 e os grupos de engajamento?

Para que os diferentes grupos sociais façam recomendações para as políticas públicas aos líderes que se reunirão na cúpula principal, são formados institucionalmente grupos de engajamento, que atuam paralelamente à agenda principal do G-20. 

São treze ao total. Há, por exemplo, o grupo de representantes de: sociedade civil (C20); “think-tanks” (T20); juventude (Y20); mulheres (W20); trabalho (L20); cidades (U20); negócios (B20); ciências (S20); parlamentos (P20); tribunais de contas (SAI20); cortes supremas (J20); oceanos (O20); e “startups” (Startup20) (conheça).

O Civil 20 (C20), espaço para as organizações da sociedade civil, redes e movimentos sociais, foi instituído em 2013. A Associação Brasileira de ONGs (Abong) exerce a presidência do C-20 de 2023/2024, na figura de seu diretor-executivo, Henrique Frota, do Instituto Pólis (conheça a governança completa).

Presidência do Civil20 do G20. Crédito: Maicon Douglas/Gestos.

Formado este ano por mais de 2 mil organizações de mais de 90 países, o C20 tem este ano como principal “sherpa” (denominação interna do G-20 para a figura do articulador político), a cofundadora da ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, Alessandra Nilo. 

Além disso, o C20 é composto por dez Grupos de Trabalho, aprovados pelo Comitê Assessor Internacional para o C20 Brasil 2024, que devem considerar como temas transversais: igualdade de gênero, antirracismo, anti capacitismo e direitos humanos. 

Os Grupos de Trabalho (GTs) são espaços temáticos onde OSCs, redes e movimentos sociais de todo o mundo se reúnem presencialmente e/ou online para discutir e produzir documentos políticos, destinados a fornecer recomendações e propostas políticas concretas dirigidas ao G20.

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