
Entre as 121 crianças analisadas, todas apresentam um ou mais metais em teores excessivos e perigosos à saúde em seus organismos, aleta pesquisa da Universidade Federal do Pará, que embasou denúncia do Ministério Público. Ao todo, foram coletadas amostras de 720 indígenas Xicrin.
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação contra a mineradora Vale, a União, e o estado do Pará por contaminar a população indígena da terra Xikrin do Cateté, causada pelas atividades extrativistas nos rios Cateté e Itacaiúnas. O território está entre os municípios de Paraupebas, Água Azul do Norte e Marabá, no Sudeste do Pará. Cerca de 1,7 mil indígenas vivem em cerca de 20 aldeias na área
A ação civil pública foi aberta após um estudo realizado pela Universidade Federal do Pará constatar a contaminação da população da Terra Indígena, concluindo que a origem dos contaminantes é da operação de níquel pela subsidiária da empresa, a Onça Puma, na região da Serra dos Carajás, no município de Ourilândia do Norte. A atividade é licenciada pelo governo estadual.
No pedido apresentado à Justiça Federal em fevereiro, o MPF pede que seja determinada à empresa o acesso imediato e integral ao tratamento médico para descontaminação, incluindo consultas, exames e medicamentos, custeado pela Vale.
“O rio não está poluído, está morto”, declarou o cacique Bep Noi Xikrin, da Aldeia Cateté, durante audiência do Ministério Público do Trabalho em 2013. O Cacique Kamreik Xikrin denuncia o descaso da mineradora: “o rio já tá morto, não tem água para beber, pescar, caçar, fazer a festa. Caça já foi tudo para outro lugar. Matava anta, veado, mas hoje já não tem. O tempo que tinha muita caça aqui, hoje não mais tem. A Vale promete as coisas, mas não cumpre. Vale não atende. Ligam, ligam, mas não atendem. O rio já tá morto. Não tem outro rio para mudar, para menino banhar, para beber”, finaliza.
Entre as 121 crianças analisadas, todas apresentam um ou mais metais em teores excessivos e perigosos à saúde em seus organismos. “A alta quantidade de metais e concentração excessiva nos organismos dos bebês Xikrin de apenas um ano sugerem que a infecção ocorre desde a gestação e pode estar ocorrendo durante a amamentação”, destacou um trecho do relatório da UFPA.
Conforme o MPF, com base na análise da UFPA, a responsabilidade da Vale é comprovada a partir da “assinatura química” do cobalto, metal pesado utilizado no processo de mineração de níquel e presente em grandes níveis nos organismos dos indígenas analisados. Foram coletadas amostras de 720 indígenas, que representam cerca de 40% da população do território Xikrin.
A Repórter Brasil realizou uma série de investigações sobre os impactos do empreendimento junto à organização da sociedade civil finlandesa, Finnwatch. Pelo menos desde 2011, os indígenas questionam a falta de participação no processo de licenciamento ambiental da mina.
Acordos judiciais garantiram pagamento de indenizações aos habitantes originários e resultaram no arquivamento das ações civis públicas. Outra ação judicial sobre o papel da Vale na contaminação do rio Cateté, porém, segue aberta.
O MPF também pede a implementação de um programa de monitoramento contínuo da saúde da comunidade – conforme obrigações estabelecidas no licenciamento do empreendimento – e a apresentação de relatórios semestrais. O MPF também busca responsabilizar a União e o Estado do Pará a garantir suporte técnico e administrativo e fiscalizar as condicionantes ambientais, respectivamente.
Pesquisa alerta para desenvolvimento de doenças crônicas causadas e malformações congênitas pela contaminação
O procurador da República Rafael Martins da Silva comparou o problema à crise enfrentada pelos Yanomami, que levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a determinar medidas urgentes em 2023 contra a contaminação por mercúrio.
Os estudos liderados pelo pesquisador Reginaldo Saboia de Paiva confirmaram que 99,7% dos 720 indígenas analisados apresentam níveis alarmantes de elementos químicos em seus organismos, sendo 98,5% contaminados por metais pesados perigosos.
O relatório apontou a presença dos elementos chumbo, alumínio, bário, titânio, arsênio e berílio acima dos limites estabelecidos por normas nacionais e internacionais no organismo dos indígenas.
Os impactos dessa poluição são diretos e devastadores, refletindo-se no aumento expressivo de doenças crônicas, malformações congênitas e no agravamento das vulnerabilidades sanitárias da comunidade indígena, indica a ação.
A pesquisa, realizada em maio de 2024, revelou casos graves, como uma jovem de 19 anos com 2.326% de níquel acima do limite seguro e uma criança de um ano com altos níveis de alumínio, bário e chumbo.
Ministério do Meio Ambiente já investigação após denúncia do MPT
Em outubro de 2023, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) expediu a Nota Informativa n° 693/2023, apontando necessidade de investigação da contaminação e da falta de atenção à saúde básica. A nota foi emitida após denúncia do Ministério Público do Trabalho (MPT) a partir do estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Em reunião com a pasta, a procuradora do Trabalho, Juliana Mafra, criticou a atuação da empresa: “Durante a escuta e inspeção do Grupo de Trabalho Povos Originários, Comunidades Tradicionais e periféricas do MPT, o Povo Xikrin informou que a Vale não os treinou para a saída com segurança das áreas de risco da barragem, que desconhecem o som e o alcance das sirenes de alerta para o caso de rompimento, que não tiveram acesso a mapas com pontos de encontro e rotas de fuga para sair da área de risco da Barragem”.
Leia aqui o relatório do MPT.
Em 2016, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinou que a Vale realizasse depósitos mensais de R$ 3 milhões para as três aldeias Xikrin impactadas pelo projeto Onça Puma: O-odjã, Dudjekô e Cateté. A decisão dizia que a empresa deveria repassar os valores até que a empresa cumprisse integralmente as medidas de compensação ambiental relacionadas ao empreendimento. A decisão judicial acatou uma solicitação das associações indígenas Xikrin, com apoio do Ministério Público Federal (MPF).
As três aldeias, localizadas na região do Cateté (sudeste do Pará), entre os municípios de Ourilândia do Norte, Parauapebas e São Félix do Xingu, estão praticamente cercadas por uma das indústrias mais poluentes: a mineração. Até 2016, eram 14 empreendimentos na região — todos controlados pela Vale — dedicados à extração de cobre, níquel e outros minérios.
Crédito da capa: Ascom/Prefeitura de Paraupebas.