

O Relator Especial da ONU, Bernard Duhaime, apresentou suas observações preliminares sobre a situação da justiça transicional no Brasil, realizada o 30 de março a 7 de abril de 2025. Ele destacou que o país ainda enfrenta sérios desafios para garantir verdade, justiça e reparação às vítimas da ditadura militar.
Durante visita oficial ao Brasil, o Relator Especial da ONU para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não-Repetição, Bernard Duhaime, recebeu da organização Justiça Global contribuições sobre graves violações de direitos humanos cometidas contra povos indígenas durante a ditadura empresarial-militar (1964–1985), além de alertas sobre a persistência dos desaparecimentos forçados mesmo após a redemocratização do país.
A visita, realizada entre os dias 30 de março e 7 de abril de 2025, incluiu passagem pelo Rio de Janeiro, onde representantes da sociedade civil foram ouvidos. Em nome da Justiça Global, Melisanda Trentin, coordenadora de justiça socioambiental e climática da organização, levou dois temas centrais à atenção da relatoria: a sistemática violência contra povos indígenas no período ditatorial e a urgência da tipificação do crime de desaparecimento forçado no Brasil.
“Os crimes contra os povos indígenas não começaram nem terminaram na ditadura. O próprio Relatório Figueiredo, elaborado pelo regime militar, documenta assassinatos em massa, trabalho escravo, remoções forçadas e outras graves violações”, destacou Trentin. A coordenadora também mencionou que o Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, estimou ao menos 8.350 indígenas mortos — número que pode ser ainda maior diante das limitações da Comissão em tratar com profundidade os impactos da repressão sobre esses povos.
Trentin lembrou que a CNV recomendou, há mais de uma década, a criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, proposta que ainda não foi implementada. “É urgente que o Estado brasileiro instale essa comissão e cumpra as recomendações da CNV”, afirmou.
Outro ponto levantado pela organização foi a continuidade dos desaparecimentos forçados no Brasil mesmo após a redemocratização. Casos como a chacina de Acari, uma favela na Zona Norte do Rio de Janeiro–RJ e o desaparecimento do trabalhador rural Almir Muniz–PB resultaram em condenações do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Justiça Global reforçou que o país ainda não tipificou o desaparecimento forçado como crime autônomo, como determinado pela Corte, o que compromete o enfrentamento efetivo dessas violações.
Segundo Trentin, a omissão do Estado brasileiro na responsabilização por crimes do passado é agravada pela manutenção da Lei da Anistia, que impede punições a agentes envolvidos em execuções e desaparecimentos ocorridos durante o regime militar. Ela também chamou atenção para uma oportunidade histórica: ações em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) que questionam se a ocultação de cadáver praticada durante a ditadura pode ser anistiada. A decisão terá repercussão geral, o que significa que poderá impactar todo o Judiciário brasileiro.
“Esperamos que o relatório do relator da ONU aponte com firmeza a responsabilidade do Estado brasileiro por essas violações, mas também as possibilidades concretas de mudança que se colocam neste momento”, concluiu Trentin.
Bernard Duhaime é professor titular de Direito Internacional na Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade de Quebec, em Montreal, onde é especialista em direitos humanos internacionais e direito internacional humanitário. Ele também esteve m Brasília e em São Paulo.
“Enquanto os direitos à verdade, à justiça, à reparação e à memória não forem assegurados a todas as vítimas da ditadura, essa divisão irá persistir e a história pode se repetir”, disse Duhaime durante entrevista coletiva sobre a visita.
Acesse o relatório preliminar aqui.
A Justiça Global passou a integrar recentemente o Fórum Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas, espaço criado para articular organizações e comunidades em torno da elaboração de políticas públicas voltadas à justiça histórica, com destaque para a instalação da Comissão Nacional Indígena da Verdade.