A possibilidade de responsabilizar o Estado por crimes cometidos em seu território teve seu precedente aberto há exatos dez anos. Foi em agosto de 2006 que, pela primeira vez, o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, pela morte por maus tratos de Damião Ximenes, que estava sob os cuidados da Casa de Repouso Guararapes, ligada ao Sistema Único de Saúde, em Sobral (CE). A ação movida pela irmã de Damião, Irene Ximenes, e pela Justiça Global tem importância de ordem histórica, simbólica e concreta na luta em defesa dos Direitos Humanos.
A sentença, além de ter elementos de reparação à família de Damião Ximenes, sem dúvida imprescindível, incide também de forma mais abrangente sobre a política de saúde mental brasileira. Trata-se de um marco importante no processo da Reforma Psiquiátrica no país, tendo incluído a implementação de formação continuada de trabalhadores de saúde mental segundo padrões internacionais e, assim, contribuindo para a luta antimanicomial.
Damião Ximenes Lopes tinha 30 anos quando foi internado na casa de repouso. Dias após a internação, em 4 de outubro de 1999, ele faleceu. O laudo médico inicial da própria casa apontou que a morte foi causada por uma parada cardiorrespiratória, mas a necrópsia pedida por sua irmã revelou que ele foi amarrado com as mãos para trás e sofreu diversos golpes, apresentando escoriações localizadas na região nasal, ombro direito, parte anterior dos joelhos e do pé esquerdo, equimoses localizadas na região do olho esquerdo, ombro homolateral e punho. A Corte Interamericana declarou em sua sentença que o Brasil violou sua obrigação geral de respeitar e garantir os direitos humanos; violou o direito à integridade pessoal de Damião e de sua família; e violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial a que têm direito seus familiares
Como copeticionários do caso, a Justiça Global segue monitorando o cumprimento dessa sentença, que ainda não foi totalmente efetivada. O que vemos atualmente é um cenário de graves retrocessos no campo de direitos fundamentais, como o da saúde pública. Infelizmente seguem existindo manicômios e clínicas credenciadas junto ao Estado onde a prática da tortura e de maus tratos é cotidiana – além do nefasto uso de metodologias de contenção mais sofisticadas e igualmente violentas, como a hipermedicalização de usuários.
Que a data emblemática dos 10 anos do caso Damião Ximenes e da condenação do Brasil em uma corte internacional sirva para lembrar que violações como essas não podem se repetir, e que é inadmissível qualquer passo atrás no campo da saúde mental e dos direitos humanos.