Após seguidos adiamentos, o STF retomou na tarde desta quinta (9) o julgamento da ADI 3239, que pretende a declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras de quilombolas.
Dias Toffoli apresentou seu voto durante aproximadamente duas horas, discorrendo em detalhes sobre os pontos em disputa. O voto do ministro, entretanto, reconheceu a tese do chamado “marco temporal”, segundo a qual as terras passíveis de titulação deveriam estar ocupadas pelas comunidades quilombolas na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. A ressalva feita pelo ministro a esta restrição ocorre quando a posse da terra tenha sido interrompida, momentânea ou permanentemente, em virtude de atos ilícitos. Quer dizer que, para Toffoli, apenas é admissível a titulação de terras não ocupadas no dia 5 de outubro de 1988 quando as comunidades quilombolas tenham sido ilegalmente expulsas.
O ministro então julgou parcialmente procedente a ação, unicamente no intuito de reconhecer o marco temporal, nos termos colocados. Para Toffoli, “a ausência de um marco temporal servirá de estímulo aos conflitos”. Na sequência, um novo pedido de vistas interrompeu o julgamento da ADI, desta vez pelo ministro Edson Fachin.
Em sessões anteriores, já votaram o ministro Cezar Peluso, hoje aposentado, pela procedência da ação, e a ministra Rosa Weber, que divergiu de Peluso e julgou improcedente a ADI.
A defesa da constitucionalidade do Decreto 4.887 e pela improcedência da ADI 3239 é a defesa do direito de milhares de quilombolas às suas terras ancestrais. A Justiça Global se une à luta das comunidades quilombolas contra a tese do marco temporal, que limita de forma drástica o reconhecimento e a efetividade de seu direito constitucional à terra, tornando-o, em verdade, letra morta. A seguir por esta linha, o Supremo Tribunal Federal proclamaria um direito natimorto, uma evidência última da continuidade de uma lógica escravocrata e racista.
A luta quilombola pela terra não pode ser subsumida a uma fotografia dos fatos em 5 de outubro de 1988. Os entraves históricos para a ocupação de suas terras ancestrais não tem relação com qualquer marco temporal arbitrariamente forjado. A compreensão da luta pela terra deve necessariamente incluir a compreensão da extensão temporal das opressões que tolheram as comunidades quilombolas deste direito, seja antes ou depois de 1988.
Caso prospere, a tese do marco temporal representa, na prática, o entrincheiramento institucional de privilégios de uma elite branca e proprietária de terras, que hoje vocaliza os interesses do agronegócio e da indústria extrativa.
Em defesa do direito constitucional à terra pelas comunidades quilombolas, a luta contra o marco temporal continua!