Mais de dois anos após uma crise de violência no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), o governo Federal e maranhense falharam no cumprimento das medidas aplicadas pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estado Americanos) contra o Brasil em 2013 e 2014.
Em relatório divulgado hoje, 1º de março, diversas organizações da sociedade civil denunciam que, apesar da redução do número de mortes no Complexo, são contínuas as violações de direitos humanos em Pedrinhas, com presos submetidos a tortura, comida estragada, celas hiperlotadas e higiene precária.
O documento “Violação continuada: Dois anos da crise em Pedrinhas” reúne informações e testemunhos recolhidos durante inspeções realizadas pela Conectas, Justiça Global, SMDH (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos) e Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Maranhão) entre 2014 e 2015.
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“O contexto de violência a que os presos estão submetidos em todas as unidades visitadas subverte qualquer sentido de tratamento humanitário. Recolhemos diversos relatos de tortura e maus-tratos, além de muitas reclamações de violência psicológica e isolamento em celas superlotadas, sem direito a banhos de sol ou visitas”, destaca Jessica Carvalho Morris, diretora-executiva da Conectas.
De acordo com Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global, os métodos de tortura utilizados hoje para punir e castigar detentos não deixam marcas como as técnicas antigas. “Os ossos quebrados e marcas de espancamento foram substituídos pelo uso do spray de pimenta e pelas bombas de gás lacrimogêneo, frequentemente disparadas para dentro das celas”, ressalta.
As entidades apontam ainda o difícil acesso dos presos à Justiça, o que se reflete no alto número de prisões provisórias. Hoje, 60% dos detentos de Pedrinhas ainda não foram condenados. A média brasileira, já considerada alarmante, é de 41%.
“A maioria dos presos com os quais tivemos contato nestes dois anos de inspeções afirmou nunca ter visto um juiz, promotor ou defensor público”, explica Wagner Cabral, presidente do Conselho Diretor da SMDH. “O governo precisa fortalecer a Defensoria Pública Estadual imediatamente para reduzir o enorme contingente de presos que já cumpriram pena ou que poderiam responder em liberdade.”
No relatório, as entidades apontam cinco recomendações ao Estado brasileiro para solucionar as violações de direitos humanos no Complexo:
Adequação das instalações;
Apuração de fugas, rebeliões, corrupção e mortes;
Aumento do efetivo de agentes penitenciários e substituição de terceirizados;
Cumprimento das normas de regulação do uso da força e de armas por agentes de segurança;
Fortalecimento da Defensoria Pública no Maranhão e instalação do Comitê e do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura.
ONU
A gravidade da situação em Pedrinhas continua sendo motivo de preocupação internacional. Em recente relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a situação dos presídios brasileiros, o relator especial para a tortura, Juan Méndez, afirma que “as condições em Pedrinhas permanecem explosivas”. “A segurança é precariamente imposta, mantendo os detentos em celas coletivas por 22 ou 23 horas por dia”, continua.
Histórico
Entre novembro 2013 e fevereiro de 2014, a eclosão de uma série de rebeliões nas unidades do Complexo resultou na morte de mais de 60 detentos. As cenas de cabeças decepadas e corpos perfurados ganharam as manchetes dos principais noticiários nacionais e internacionais.
Os fatos levaram entidades de direitos humanos a denunciarem o país perante a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA), o mais importante órgão de monitoramento e promoção dos direitos humanos na região, que acolheu a denúncia e deflagrou medida cautelar determinando que o Brasil agisse para evitar novas mortes, reduzir a superlotação e investigar as circunstâncias que provocaram a crise.
Como resposta, o Estado brasileiro, por meio do governo estadual do Maranhão e do Ministério da Justiça, instituiu, em janeiro de 2014, um Plano de Ação de Pacificação das Prisões de São Luís, que incluiu entre suas medidas a ocupação das unidades do complexo pela Força Nacional, a transferência de presos para presídios federais e a separação de membros de facções criminosas em unidades específicas.
Diante da falta de evidências de melhora nas condições de encarceramento no complexo, no entanto, as entidades de direitos humanos solicitaram à CIDH que o caso fosse remetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos em novembro de 2014. O tribunal, por sua vez, acolheu a demanda e expediu medida provisória obrigando o Brasil a adotar imediatamente todas as ações necessárias para proteger a vida e a integridade de todas as pessoas privadas de liberdade no complexo.