O Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) vem por meio desta nota requerer a revogação da Portaria 1.129, de 16 de outubro de 2017, do Ministério do Trabalho, que altera conceitos sobre trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de dificultar a fiscalização do grupo móvel de auditores fiscais do trabalho no combate ao trabalho escravo e autuação de pessoas e empresas.
Até então,auditores fiscais utilizavam conceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Código de Processo Penal.
Trabalhadores e trabalhadoras submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes, com privação de sua liberdade e de sua dignidade, mesmo na ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir, hipótese de sujeição de trabalhadores a tratamento análogo ao de escravos nos moldes do artigo 149 do Código Penal brasileiro, é suficiente para caracterizar a prática de trabalho escravo.
A portaria do Ministério do Trabalho do governo federal reduz as situações que caracterizam o trabalho escravo o que, na pratica, dificulta a fiscalização do crime. Pela nova regra emitida na Portaria, a caracterização somente se daria mediante à constatação de “submissão sob ameaça de punição, restrição de transporte para reter trabalhador no local de trabalho, uso de força armada para reter trabalhador, retenção de documentação pessoal”.
Além de alteração do conceito, a portaria ministerial, atendendo a um antigo apelo da bancada ruralista, aumenta a burocracia que impede que a fiscalização e autuação de pessoas e empresas e restringe a divulgação da chamada “lista suja” ao Ministro do Trabalho.
O CNPCT lembra que o Brasil havia avançado, ao longo de décadas, no combate à escravidão moderna, fato ressaltado pela Organização Internacional do Trabalho e ONU, para registrar o retrocesso de tal portaria.
Cabe ainda ressaltar que, em dezembro de 2016, o Estado brasileiro foi o primeiro do continente a receber uma condenação, em sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por tolerar a escravidão em suas formas modernas e obrigado a indenizar 85 trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, no Sul do Pará, em quase US$ 5 milhões. A CIDH entendeu que o Estado, mesmo diante da constatação e procedimento da fiscalização do trabalho por utilização de mão de obra análoga à escravidão, nada fez para responsabilizar os denunciados e reparar as vítimas. A fazenda foi alvo de fiscalização no ano de 2000, quando dois trabalhadores conseguiram fugir e denunciar o caso.
Em dezembro próximo vencerá o prazo para indenização das vítimas da Brasil Verde. Na sentença, a Corte também ordena a reabertura das investigações e instrui que o país adote “medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de direito internacional de escravidão e suas formas análogas”.
Diante do exposto, o CNPCT se junta a outras instituições, como Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) para requerer a revogação da Portaria, por sua inconstitucionalidade e retrocessos no combate e prevenção das formas de escravidão moderna. Ainda que o STF tenha decidido liminarmente pela suspensão da decisão ministerial, o Comitê entende que é necessário que tal ato do Executivo seja revogado.
Brasília, 24 de outubro de 2017.
COMITÊ NACIONAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA – CNPCT