A Corte Interamericana de Direitos Humanos vai julgar a denúncia contra o Brasil por sistemáticas violações contra os quilombolas de em torno da construção do Centro de Lançamento de Alcântara, projeto da Força Aérea Brasileira. A audiência ocorre nesta quarta-feira (26), a partir das 15h30, e quinta-feira (27), a partir das 10h (horário Brasília), na sessão itinerante da Corte na sede do Tribunal Constitucional do Chile. Será a primeira vez que o Estado brasileiro será julgado por um caso envolvendo quilombolas. Também é o primeiro caso em que as Forças Armadas são confrontadas num tribunal internacional.
A denúncia foi apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2001 por representantes de comunidades quilombolas do Maranhão, o Movimento dos Atingidos para Base de Alcântara (MABE), a Justiça Global, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (FETAEMA), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e a Defensoria Pública da União (DPU) – que entrou no caso em 2017.
Ao longo de duas décadas de tramitação na CIDH, o governo brasileiro teve diversas oportunidades de reconhecer e reparar as violações, mas não o fez. Os Quilombos de Alcântara ainda não contam com títulos de propriedade coletiva sobre os seus territórios tradicionais. Em janeiro deste ano, o caso foi apresentado à Corte.
As violações denunciadas são decorrentes da instalação de uma base de lançamento de foguetes da Força Aérea Brasileira, bem como pela omissão do Estado brasileiro em conferir os títulos de propriedade definitiva para as 152 comunidades quilombolas. Além das desapropriações e remoções compulsórias de 32 comunidades, a perda do território impactou o direito à cultura, alimentação adequada, livre circulação, educação, saúde, saneamento básico e transporte de uma centena de comunidades quilombolas.
“O julgamento é de uma importância histórica. É a primeira vez na História do país que o Brasil será julgado num Tribunal internacional por crimes cometidos contra quilombolas; além disso, se constitui numa importante oportunidade para a própria Corte IDH consolidar sua jurisprudência de proteção aos territórios ancestrais de comunidades afrodescendentes na região”, declara Danilo Serejo, quilombola de Alcântara (MA), jurista, cientista político e membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE) e da Coalizão Negra por Direitos
Medidas de justiça e reparação:
As organizações peticionárias requerem que a Corte determine que o Estado brasileiro titule o território quilombola e a realize de um procedimento culturalmente adequado de consulta e consentimento prévio, livre e informado, bem como estudo de impacto ambiental. Também é solicitada a indenização das comunidades removidas e as comunidades que permaneceram no território – pela insegurança e ameaças ao longo das últimas décadas, e a criação de um fundo de desenvolvimento comunitário que inclua um plano para o exercício dos direitos à alimentação, à água, ao meio ambiente sadio e à moradia em consulta e coordenação com as comunidades Quilombolas identificadas, entre outros pedidos.
“A imposição do Estado em construir o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) num território tradicional, deteriorando modos de vidas, laços familiares e tentando apagar uma parte da nossa história, mostra como o racismo ambiental orientou a política. Por isso, o Brasil tem o dever, perante a Corte Interamericana, de reconhecer a sua responsabilidade como ator nas violações contra os quilombolas de Alcântara, bem como avançar imediatamente com a titulação do território. O que está em jogo na Corte, nos próximos dias, é o real compromisso do Estado brasileiro com o enfrentamento ao racismo”, comenta a diretora-executiva da Justiça Global, Glaucia Marinho.
Acompanhe a audiência no YouTube da Justiça Global ou da Corte Interamericana.